Com a contagem dos votos dos emigrantes, infelizmente com mais uma escusada polémica sobre a sua validade, resultante da não estar apensa cópia do cartão de cidadão (foram anulados 157 mil votos!), terminou o processo das eleições legislativas. Aguarda-se ainda a promulgação dos resultados, mas a maioria absoluta já estava garantida a Costa e ao PS.
A ressaca das eleições tem sido profundamente dolorosa para os derrotados, (PSD, Bloco, PCP, PAN e CDS) quiçá atónitos sem perceberem ‘como um camião lhes passou por cima’, tão convencidos estavam das suas absolutas certezas. Uns em reflexão, todos em ebulição, lideranças contestadas com ruído ou em surdina, preparam-se para 4 anos de ‘seca’ prolongada.
Nos entretantos, os vencedores (PS, Chega e IL) vão-se entretendo com lateralidades, como a da nomeação (ou não) de um vice-presidente do Chega na Assembleia ou qual a geografia dos lugares atribuídos aos deputados da IL (se ao centro ou à esquerda ou à direita no hemiciclo). Assuntos relevantes estão ‘congelados’, à espera da nomeação do Governo, sem sequer serem feitas grandes especulações sobre a sua composição, guardada a ‘sete chaves’ por Costa.
Mas seria bom que alguém desse alguma atenção a temas cujo calendário nada tem a ver com eleições. Deixando para outras ‘núpcias’, a Saúde, a Educação ou a Justiça, refiro-me, por exemplo: (i) à seca prolongada que atinge, sobretudo, o Sul do país; (ii) à questão da energia, em diversas vertentes, seja no agravamento do custo da eletricidade nos mercados grossistas ou na subida do preço do barril do petróleo, ambos com impacto direto nos custos de produção; (iii) à subida das taxas de juro nas emissões de dívida a longo prazo.
Pelo Alentejo, a seca generalizada causa uma preocupação geral, sobretudo aos criadores de gado, já aflitos com a falta de pastagens e com o preço das rações, e aos agricultores, em particular de olival intensivo, com a escassez da água para os regar. Não falta muito, irão começar os lancinantes pedidos de ajuda ao Estado, porque os subsídios já não chegam e todos se irão esquecer das opções erradas.
Donde, a pergunta relevante na situação atual: o que fazer, de forma estruturada? Sendo a dessalinização extremamente onerosa, vejo como alternativa positiva investir em novas barragens. A já aprovada Barragem do Pisão (Crato), a construir entre 2023 e 2026 com um custo estimado de Eur 171 M e financiado em Eur 120 M pelo PRR, parece ser uma resposta adequada, pese embora a contestação pelo GEOTA (Grupo de Estudos do Ordenamento do Território e Ambiente) que alerta logicamente para a necessidade de avaliação ambiental.
Nestas questões há que ser ponderado e ouvir os especialistas. Lendo o Prof. Gonçalo Rodrigues (I. S. Agronomia), parece inequívoco que «é absolutamente prioritário e indispensável criar uma visão holística da gestão da água em Portugal, na forma de um grande sistema hidráulico, integrando todas as infraestruturas de retenção e armazenamento, captação e distribuição da água». Se não tiver razão, expliquem o porquê, mas atue-se, dado que a realidade pode ser vir a ser dramática.
Sobre a energia, pagamos, desde há cerca de 12 meses, o agravamento de preços no Mibel (Mercado Ibérico de Eletricidade) que, esta semana, rondou os Eur 200/Mwh (em janeiro 2021 era de Eur 61). Acresce que, diariamente, sentimos o efeito no preço final dos combustíveis fósseis da subida do preço do barril de crude que já ultrapassa os 90 USD, a que há que somar uma fiscalidade desproporcionada. Ou seja, temos aqui um problema a resolver, até porque, pela transversalidade do impacto na nossa economia, a projeção da inflação em 2,3%, recentemente feita pela União Europeia para 2022, parece já pecar por defeito.
Em suma, é imperioso colocar no Caderno de Encargos do novo Governo a necessidade de termos uma visão de longo prazo (e consensual!) para este problema da energia, também porque o encerramento das centrais a carvão que há muito estava planeado implicou, inquestionavelmente; (i) um maior volume de importação de energia de Espanha (em detrimento do carvão, mais barato); (ii) efeitos colaterais de decréscimo nos níveis das barragens, os quais, aliados à seca prolongada, vieram obrigar o ministro do Ambiente a anunciar a suspensão da produção hidroelétrica em 5 barragens…
Se considerarmos que a fonte da energia não pode ser apenas hídrica e que a alternativa das centrais a gás se torna atualmente impraticável face ao seu custo exorbitante e parecendo claro que: (i) a opção hidrogénio que poderá vir a desempenhar um papel-chave, de forma sustentável, na descarbonização da economia ainda vai demorar, apesar do PRR prever Eur 185 M de investimentos, (ii) a nuclear carece de discussão nacional prolongada, embora, em França, Macron já a tenha decretado como ‘energia verde’, a conclusão parece óbvia: deverá existir um reforço das energias renováveis ou pagaremos com ‘língua de palmo’ tantas hesitações. Aliás, a UE já estabeleceu que cerca de 35% da energia nacional em 2030 deverá ser renovável. Desta forma, irá ser fundamental garantir o equilíbrio do mix energético nacional, entre a energia eólica e a fotovoltaica, merecendo alguma preocupação a necessidade premente de renovação dos parques eólicos existentes.
Sobre a dívida pública e do risco da subida das taxas de juro, começo por citar Centeno que referiu «ser imperdoável se não se fizerem todos os esforços para reduzir a dívida pública e o défice, face à inversão do ciclo de juros baixos do BCE…». Acrescento que: (i) esta semana, foram duas linhas a leilão: uma de OT’s a 9 anos, com juro de 1,008% (0,127% em julho 2021) e outra de um empréstimo a 6 anos com 0,603% (em junho 2021, a taxa foi negativa -0,162%); (ii) o BCE vai cortar níveis de compra de dívida pública até ao final do ano… Precisam de explicador?