Por Alexandre Faria
Escritor, advogado e presidente do Estoril Praia
Os portugueses pronunciaram-se e expressaram a sua vontade, de uma forma explícita, no Partido Socialista e no reforço de um caminho que está a ser percorrido nos últimos anos. Sobressaem responsabilidades acrescidas desta escolha inequívoca, algumas das quais inéditas na democracia portuguesa, pouco dada à concessão de maiorias absolutas, possibilitando que se altere este paradigma e se superem os traumas que ficaram de experiências anteriores.
Para tal, a generalidade expressiva da esquerda que passou a integrar a Assembleia da República, principal órgão de soberania onde assenta o nosso sistema, terá de revelar ser capaz de uma participação alargada, como nunca se conseguiu, face aos desafios que o nosso país necessita de enfrentar.
Na ainda recente democracia portuguesa, esta maioria absoluta de esquerda, ao contrário dos exemplos passados de má memória, traz consigo esta fundamental incumbência sem precedentes, proporcionando que a estabilidade continue a ser trabalhada em comum, com várias forças políticas, afastando assim a perversidade de um poder absoluto.
Para que os portugueses continuem a rever-se nesta clarificação nacional que concederam, inserida no processo de consolidação que decorre desde 1974, chegou a altura histórica de demonstrar que a maioria de um não implica arrogância e sobranceria, assegurando que esta vitória da humildade e da confiança se consolide e não seja defraudada. Sob pena de não voltar a acontecer.
Uma conclusão óbvia reside nas excelentes condições de governabilidade perante estes momentos únicos de atribuição de fundos comunitários, permitindo que a sua aplicação seja coerente, eficaz e equitativa em todo o território nacional, mas a oportunidade de uma articulação mais profícua entre o Governo e o novo quadro de esquerda da Assembleia da República não pode ser perdida. Os resultados eleitorais de 30 de janeiro devem ser geridos com inteligência e com a inclusão de toda a esquerda parlamentar, desde que enquadrada responsavelmente na visão estratégica que foi confirmada pelos portugueses, comprovando que o nosso país pode conferir maiorias claras a quem as sabe receber e interpretar. António Costa, provavelmente a única pessoa que sempre acreditou numa vitória eleitoral desta dimensão, não deixará de explorar essa possibilidade de abertura, até pelo reconhecido engenho que tem evidenciado noutros cenários de gestão política.
Sem esquecer que uma das razões para a concessão desta chance assentou no repúdio dos extremismos, chegou o momento de cumprir em pleno a liberdade, o desenvolvimento nacional e a defesa intransigente dos direitos fundamentais, mostrando que Portugal adquiriu a suprema capacidade de escolher maiorias confortáveis, com a maturidade do envolvimento de outras forças políticas, desde que sejam confiáveis e estejam consolidadas nos superiores princípios democráticos.