A semana passada ficou marcada por mais um episódio rocambolesco que veio agitar a já por si turbulenta sociedade em que vivemos.
Um jovem, aparentemente perturbado pelo ambiente que vivia dentro da faculdade onde lecciona, foi travado pela Polícia Judiciária antes de levar a cabo um suposto massacre em que, alegadamente, as vítimas seriam os seus próprios colegas.
Segundo a versão oficial, o estudante ter-se-ia inspirado em ataques de cariz semelhante, perpetrados, na sua maioria, nos Estados Unidos, e amplamente veiculados pela generalidade da comunicação social.
No entanto, o armamento apreendido em sua casa, composto, sobretudo, por facas de diverso porte, em nada indicia que os seus mentores fossem, na verdade, os autores dos vários criminosos ataques em estabelecimentos de ensino norte-americanos e que tantas vidas inocentes têm ceifado, considerando que esses tresloucados actos foram sempre praticados com o recurso a armas de fogo.
O nosso jovem candidato a assassino em massa, muito provavelmente, pretendia antes imitar o célebre personagem Rambo, interpretado por Sylvestar Stallone, pois só assim se compreende que, recorrendo apenas a uma arco com flechas e várias facas, se pudesse imaginar a decepar todos quantos ousassem consigo cruzar-se.
A PJ, por razões naturalmente plausíveis e, certamente, assumidas com cautela e ponderação, entendeu como mais assertivo pôr cobro às intenções bélicas do estudante ainda antes de este ensaiar qualquer tentativa de as concretizar, procedendo à sua detenção no decorrer de uma busca domiciliária.
Desse modo, ficámos sem saber se o suposto assassino alguma vez passaria das pretensões à acção, ou mesmo se alguma vez tivesse sido sua real vontade pôr em prática todo aquele enredo escrito nos seus apontamentos, facto que, obviamente, vai condicionar, e muito, a moldura penal que lhe está destinada.
O que o comum dos mortais não consegue entender é qual o motivo para que a PJ tenha publicitado um acto criminoso que não chegou a acontecer, gerando um alarme social desnecessário e inusitado e expondo, também, a família do seu eventual protagonista a uma exposição mediática injusta e abusadora.
Publicidade essa agravada pela circunstância dos presumidos factos estarem previstos para se verificarem numa faculdade no decorrer de um período de exames, prejudicando, dessa forma, a prestação dos alunos envolvidos nessa avaliação, por lhes roubar a necessária concentração e paz de espírito.
Há, aliás, o precedente da desarticulação de células terroristas, que estariam a preparar atentados sangrentos no decorrer do Europeu 2004, operações então realizadas com discrição e sem que a opinião pública disso se tivesse dado conta.
Agora, invocou-se como desculpa para tão atabalhoada divulgação de um não acontecimento o objectivo de condicionar possíveis novas motivações do género, fazendo-se perceber aos seus aventureiros o destino que lhes está reservado se nelas se envolverem.
Nada mais errado.
Em primeiro lugar, a prisão atempada de violadores da ordem pública nunca constituiu obstáculo a que alguém se arriscasse em aventuras do mesmo calibre, até pela simples razão de que um criminoso acredita sempre que somente os outros é que são apanhados.
Em segundo lugar, está mais que provado que a cobertura mediática destes casos pela comunicação social tem contribuído, decisivamente, para que muitos lunáticos queiram também os seus cinco minutos de fama e, consequentemente, sigam o exemplo de outros atiradores isolados que espalharam o pânico e a morte em diversos locais.
Finalmente, ao serem divulgados os pormenores que permitiram inviabilizar o possível ataque, que, recorde-se, tiveram como base a intercepção, pelo FBI, de comunicações em sites suspeitos, aqueles apenas vieram pôr de sobreaviso quem esteja a pensar seguir o mesmo caminho, sabendo agora, de antemão, que deverá ter maior cuidado na utilização de meios de comunicação online.
Não tenho dúvidas, no entanto, de que a responsabilidade por todo este alarido provocado por uma comunicação extemporânea não seja exclusiva da Polícia Judiciária. A tutela, entendendo-se não só como a ministra da justiça mas, também, o próprio primeiro-ministro, obviamente que estava a par do sucedido e não quis perder esta oportunidade para mais um número de simples propaganda!
Igualmente inexplicável, tratou-se da pressa em identificar um incidente, que nem sequer chegou a ter lugar, como um atentado terrorista.
Lá por fora, sempre que se observam fenómenos de natureza semelhante, ou seja, quando atiradores por conta própria, e sem motivações políticas ou religiosas, disparam indiscriminadamente sobre determinadas pessoas, há a preocupação de se descartar a índole terrorista e identificar-se o sucedido como um caso isolado, para que as populações não entrem em pânico e se sintam em segurança e protegidas.
Nós, por cá, não fazemos a coisa por menos: é terrorismo e ponto final!
Até os inconformados adeptos de um clube de futebol que, para exteriorizarem a frustração pelos maus resultados da equipa, resolveram por bem deslocarem-se ao centro de treinos para darem uns sopapos nos jogadores, foram logo catalogados como terroristas!
Dizem que a nossa legislação assim o determina. Claro, fracos governantes têm a tendência de parir leis estúpidas!
Quem soube tirar proveito deste folhetim criado à volta de um terrorista acidental, ficando em dívida para com os responsáveis desta acção de propaganda pelo brinde com que foram obsequiadas, foi, como não podia deixar de ser, a imprensa televisiva, sempre ávida em se agarrar a tudo o que cheire a desgraça alheia.
Durante dias a fios fizeram-se reportagens sem fim, socorrendo-se da habitual panóplia de comentadores para todo o serviço. Foram psicólogos, psiquiatras e especialistas em várias matérias, como segurança pública e terrorismo, todos a comentar, ao pormenor, algo que não aconteceu, nem nunca se saberá se poderia mesmo ter ocorrido!
Portugal já não é um país. Tornou-se num imenso manicómio, onde a insanidade impera por todos os cantos e corredores!