A água na albufeira de Castelo de Bode parou de descer esta semana, com o ministro do Ambiente a visitar o local para anunciar que o caudal está agora estável. E está, mostram os dados da monitorização do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH). Mas no último sábado houve um facto que se alterou e não foi a chuva: depois de a investigação do Nascer do SOL ter revelado que a barragem continuava a turbinar o caudal ecológico sem nota pública disso e que tinha havido um novo alerta EPAL para o facto de a albufeira, em nível crítico, estar a descer mais do que era suposto face ao consumo para abastecimento, o caudal ecológico foi reduzido e para um quinto do fluxo.
De visita à barragem, o ministro Matos Fernandes nada disse sobre esta decisão, nem o Ministério ou a Agência Portuguesa do Ambiente prestaram esclarecimentos sobre ter sido ‘fechada a torneira’ após as questões suscitadas por este jornal. Já a EDP confirmou ao Nascer do SOL que a barragem está a turbinar caudal ecológico «de acordo com os valores revistos e definidos pela APA».
Revisão salta à vista Os dados de monitorização da barragem mostram bem como a situação mudou no sábado, 12 de fevereiro, dia em que o Nascer do SOL noticiou que a barragem continuava a turbinar. Uma situação que apenas a EDP esclareceu, dizendo tratar-se do caudal ecológico e garantindo que não estava a ser produzida energia hídrica com este mesmo caudal, sem a APA ou o Governo a explicar se tinha sido avaliado o impacto desta decisão no baixo armazenamento da albufeira numa situação de seca persistente.
A informação disponibilizada publicamente pelo SNIRH, que o Nascer do SOL analisou, mostra o que se passou: desde que foi suspensa a produção hídrica na barragem, quando se ficou abaixou de 60% do armazenamento – um valor de alerta para mais numa situação de seca meteorológica persistente –, continuou a ser turbinado um caudal médio diário na casa dos 16m3 por segundo. No sábado, baixou para a casa dos 3 m3 por segundo e assim tem sido nos últimos dias, retirando-se assim menos água da barragem para o rio. Olhando para trás, percebe-se que os 16 m3/s que garantem, segundo a EDP, apenas o caudal ecológico, eram uma redução face às semanas anteriores – em que, apesar da seca, a barragem continuou a turbinar para produzir energia hídrica, com um caudal médio diário em janeiro de 67,2 m3/s. Mas, vendo o último mês, a descida não era tão significativa como a que agora se verifica.
Para trás ficaram semanas em que a barragem turbinou normalmente, e mesmo ligeiramente acima do ano passado, já com a situação de seca: em dezembro é possível calcular uma média diária de 75 m3/s, acima dos 73 m3/s de média de dezembro de 2020, quando não havia níveis baixos de água na albufeira. No final de 2020, a cota da albufeira situava-se nos 117,06 metros, que corresponde a cerca de 85% da capacidade total, ao passo que no final de 2021 estava nos 109,05 metros, o equivalente já a cerca de 64%. Baixaria para os 59,2% no final de janeiro, com o Governo a determinar a suspensão da produção de eletricidade nesta e noutras quatro barragens a 2 de fevereiro.
Sem chuva, a garantir o abastecimento de Lisboa e com o caudal ecológico, a água continuou a baixar, o que só agora, chegada a primeira chuva e feita esta alteração no caudal, se alterou, mas pouco. Uma subida de cinco centímetros foi o anunciado pelo ministro Matos Fernandes na visita a Castelo de Bode na última quarta-feira, um dia depois de se dar esta subida e quando o valor estabilizou nos 106,17. Ainda voltou a baixar um centímetro depois da visita mas subiu de novo na quinta-feira, o último dia disponível ontem na série do SNIRH, em que a cota se situava nos 106,20 m, 6 cm acima de sábado, quando foi revisto o caudal ecológico.
Na semana anterior, a cota da albufeira tinha descido 21 cm. Em volume de água, a diferença fica também bem à vista: entre sábado e quinta-feira a albufeira ganhou 1,4 milhões de metros cúbicos de água, ao passo que entre sábado e quinta da semana passada tinha perdido quase 4,8 milhões de m3. Apesar da estabilização, Castelo de Bode mantém-se no nível mais baixo desde 2001. Na quinta-feira, estava a 58,3% da capacidade. Desde o início do ano desceu mais de 2,5 metros e será preciso chover bem para estar em níveis confortáveis para abastecimento, caudal ecológico, que costuma ser mais sensível no verão, e retomar a produção hídrica. Esta semana, ouvida pelo i, a Associação dos Empresários do Turismo de Castelo de Bode admitiu preocupação com a falta de água vir a pôr em causa a viabilidade turística da região, defendendo que fosse apenas permitido caudal ecológico e que até serem repostos 10 metros na cota não se produza eletricidade. Implicaria voltar aos 116 metros, nível em que esteve pela última vez no início de setembro.