Capitalisme. Capitalism. Capitalismo. Em todas as línguas e feitos, com mais ou menos letras, assim ou assado, todos o percebemos e todos o respiramos. É o capitalismo, amigos: o palco das pós-modernidade.
Começou por ser um sistema económico. Pintou. Emancipou. Criou. Produziu. Sobreproduziu. Superavitou. Ficou. Agora, mais do que um modelo económico, é a roupa que a Humanidade veste. Agora, mais do que um modelo económico, é a lente pela qual o Homem vê. Agora, mais do que um modelo económico, é a fôrma onde a nossa alma desseca.
‘O Homem’ que Aristóteles pensou, ‘o Homem’ que Jesus melhorou, ‘o Homem’ que Aquino emancipou, o ‘Homem’ que pensa e logo existe. Esse Homem – que levantou as pirâmides, matou por religião e escreveu os Lusíadas – é, hoje, feito de capitalismo. Esse Homem, hoje, és tu a alimentares-te de Uber Eats no sofá; és tu a adorares coisas por serem de certa marca; és tu a produzires dopamina quando recebes ‘gostos’; és tu a venderes a tua identidade para fazeres publicidades no Instagram; és tu a sentires FOMO por não estares na VIP; és tu a fotografares-te de costas em museus.
És o mesmo o Homem que Aristóteles, Jesus, Aquino e Descartes teorizaram. Só que agora estás emaranhado em capitalismo. O teu cérebro respira-o: é a maçã que vês e associas à Apple, são os encontros na bola da Nívea, são as discussões entre Super Bock e Sagres como se de uma questão de vida ou morte se tratasse. És por ele moldado: quando vais ao supermercado e preferes um vinho a outro «porque é mais caro e deve ser melhor», quando estás triste por estar sozinho no dia de São Valentim, quando alguém te atrai mais por ter dinheiro. Tudo isto, que somos e não negamos, é o Homem no século XXI. E se por um lado o bicho do capital expande dentro do nosso ser, por outro também o faz nas ruas.
Sempre que estou fora da minha zona de conforto encontro uma mórbida sensação de casa em supermercados. O Intermarché da Abrigada é igual ao Pingo Doce de Guimarães ou ao Auchan de Alfragide: as fardas dos empregados, a maneira como as coisas estão expostas, a luz branca, os produtos que gostamos. Tudo isso é reconhecido. O McDonald’s de Earls Court é igual ao McDonald’s de Guimarães: o sabor dos hambúrgueres, o molho das batatas, a má disposição dos empregados, o mau aspeto das pessoas. Em todos estes sítios, por mais mórbido e pós-moderno que seja, sinto um genuíno sentimento de casa. É hormonal: sinto conforto. Trato as coisas por tu. Conheço-as e reconheço-as. Por ser igual a casa, sei com que contar: desde poder pedir mais sal nas batatas às minis estarem em desconto. E isto, amigos, é o capitalismo a ser casa. É o capitalismo a criar padrões reconhecíveis e a multiplicá-los pelo mundo. E assim, por haver muito mais mini-casas pelo mundo, fomenta-se a nossa ligação a ele. O mundo vai ficando mais pequeno, mais nosso. E se por um lado isso traz conforto e segurança, por outro também castra a beleza de desembrulhar o desconhecido.
Devemos estar cientes de que este é o mundo em que nascemos e morreremos. E devemos, também, entender que nem sempre foi assim. No nosso caso, é: trata-se de uma espécie de ‘pack Fnac experiência existencial’ que nos foi presenteado pelo Universo. Alguns, na pré-história, receberam o ‘pack sobrevivência’; outros, mais tarde, o ‘pack Império Romano’; outros ainda, mais recentemente, o ‘pack União Soviética’. E nós, agora, o da ‘existência no capitalismo’.
Apesar de todos os seus defeitos, confesso não estar particularmente desagradado. Podia ser pior.