Quando a União Soviética implodiu e o Pacto de Varsóvia se desfez, parecia aberto o caminho para o fim do ambiente conflitual na Europa.
Nem guerra quente, nem guerra fria, definição de objetivos comuns e cooperação.
Ajudava a isto o empobrecimento da Rússia, a desorganização do setor militar, o enfraquecimento da disciplina, a preocupação com a reconstrução económica e a luta contra a miséria crescente.
Era o tempo em que os marinheiros levavam as mulheres para com eles viverem nos navios de guerra, em que os quebra-gelos nucleares eram vendidos a empresas estrangeiras para passeios turísticos.
Fui testemunha dos contactos e das tentativas quando a Comissão política da Assembleia Parlamentar da Nato tinha reuniões com a Duma russa.
E, como resultado de tudo isto, em junho de 1994 a Rússia aderiu à Parceria Para a Paz e em 1997 é assinado o Acto Fundador.
A ideia chegaria a ser a integração da Rússia na Nato.
Depois começaram as dificuldades.
A questão da Sérvia, depois o problema da Geórgia e os sucessivos alargamentos da Nato serviram de base à recuperação do conceito de zonas de influência e do afastamento de Moscovo.
E tudo se torna mais claro em 2004 com a continuação do poder de Putin.
A Rússia passou a considerar a Nato como ameaça.
E, portanto, qualquer novo membro, antes incluído na URSS, era um ato inamistoso e um perigo acrescido.
Por seu turno, o fortalecimento do poder militar russo levantou fundados receios em países com os Bálticos, a Polónia, a República Checa, a Hungria. A intervenção militar, o sufocar de tentativas de libertação, ficaram definitivamente na memória dos povos.
Com a Ucrânia, o tema torna-se muito mais complexo.
Sabia-se a intenção ucraniana de se juntar à União Europeia e à Nato.
A utilização do fornecimento de gás como arma, dá lugar a uma crise interna que tenta colocar o país na órbita política russa.
Não teve sucesso por muito tempo. A Ucrânia consegue sacudir a pressão e voltar ao seu caminho de aproximação ao Ocidente.
Aqui chegados, a reação russa é mais dura e envolvente.
Em três momentos.
A anexação da Crimeia.
A guerra da região de Donbass apoiando e armando os assim chamados separatistas.
A ameaça à Ucrânia, no seu conjunto.
O principal leit-motiv declarado é a exigência da não adesão desta à Nato.
O que Putin quer é obter da Nato a recusa clara da admissão da Ucrânia e o compromisso deste país não se submeter à adesão.
Ou seja, um ato de diminuição da liberdade de decidir o seu destino, uma situação de bloqueio.
Não fala a Rússia de devolver as áreas ocupadas, fala em invenção de uma sua ameaça militar.
E, no entanto, os exercícios militares intensificam-se e o cerco à Ucrânia aperta-se.
Como se esta discussão da iminência da guerra fosse o ponto mais importante, como se nada se tivesse passado, como se o que a Rússia pretende não fosse claro.
Isto é, a grande questão continuará a ser quando e como estes jogos de guerra terminarão.
Ou quando e como a economia poderá voltar a crescer e a crise petrolífera será ultrapassada.
Ou quando a política do medo será substituída pela da liberdade.
Ou quando a união das sombras soviéticas ou o czarismo sem czar desassombrarem a Rússia.