Cerca de 153 milhões de pessoas terão demência em 2050

Quase 36 milhões de pessoas sofrem de Alzheimer no mundo e este número pode duplicar até 2030. Por isso, o professor e investigador Pedro Miguel Rodrigues criou uma ferramenta que pode detetá-la atempadamente.

Cerca de 153 milhões de pessoas no mundo terão demência em 2050, ou seja, quase o triplo do estimado para 2019 – 57 milhões. Esta foi uma das conclusões publicadas num estudo divulgado na publicação científica The Lancet Public Health, sendo que o trabalho adianta estimativas do número de adultos com 40 ou mais anos a viverem com demência em 204 países ou territórios diferentes, comparando os anos de 2019 e as projeções de 2050.

Segundo este documento, são quatro os principais fatores de risco: tabagismo, obesidade, hiperglicemia (excesso de açúcar no sangue) e escolaridade baixa. Em Portugal, serão 351 504 pessoas com demência em 2050, menos do dobro do número previsto para 2019, 200 994. Sabe-se que o tipo mais comum de demência é a Alzheimer que, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, representa 50 a 70% dos casos.

Será que este cenário pode ser evitado? Talvez não totalmente, mas Pedro Miguel Rodrigues acredita que o projeto Neuro SDR, que analisa a atividade cerebral e tem uma taxa de sucesso de 98%, permitirá que esta patologia seja detetada precocemente. “Sempre gostei da área da informática e da saúde. Portanto, quis conciliar esses dois pontos na minha vida profissional. Na altura, havia pouco conhecimento de engenharia biomédica e, a partir do momento em que vi que poderia ajudar as pessoas, decidi fazer isto ao longo do meu percurso académico”, começa por explicar ao i o professor Auxiliar na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa, no Porto. “E agora passo este ‘bichinho’ aos meus alunos”.

“São seis anos de trabalho oficial, digamos assim, mas há muitos mais envolvidos. O Hospital de São João facultou-nos estes sinais que foram importantes para podermos começar o trabalho e delinear tarefas até chegar ao Neuro SDR. Felizmente, não tive nenhum caso próximo, mas a partir do momento em que entrei na ala de Neurologia do hospital percebi que tinha de auxiliar aqueles doentes. Foi muito impactante”, sublinha o doutorado em Engenharia Biomédica pela Universidade do Porto que não esquece o “declínio cognitivo muito grande” que estas pessoas apresentaram “em meses”.

“É horrível e esta patologia afeta milhões de pessoas. Os efeitos dos medicamentos baseiam-se, principalmente, em ‘atacar’ os sintomas no início da doença. Escolhemos os 38 doentes em parceria com os médicos e alguns até quiseram participar ao saber do estudo, pois ainda estavam lúcidos. Tínhamos pessoas de todas as fases porque senão nem conseguiríamos encontrar aquelas que estavam nos estágios precoces”, observa o também mestre e licenciado em Engenharia Biomédica pelo Instituto Politécnico de Bragança que leciona unidades curriculares de processamento de sinal, eletrónica digital, programação de computadores e de aprendizagem computacional.

“No mestrado, comecei a trabalhar no desenvolvimento de tecnologias para as fases intermédia/avançada da doença, no doutoramento foi diferente. Temos algoritmo, interface, equipamento e teremos o produto final. Contamos com equipamento de terceiros, não criámos a touca, porque o nosso algoritmo tem essa capacidade de se adaptar e é isso que queremos: chegar a toda a gente. O eletroencefalograma existe em todo o lado, temos é de entregar o software às clínicas e aos hospitais”, reconhece o autor da tese de mestrado “Diagnóstico da doença de Alzheimer com base no electroencefalograma” (2011) e da de doutoramento “Exploração dos sinais electroencefalográficos para apoio ao diagnóstico da doença de alzheimer” (2017).

“O algoritmo está validado e é suficientemente genérico para estar em qualquer clínica ou hospital, mas ainda tem de ser validado pelo Infarmed, IAPMEI, etc. Ainda vai demorar algum tempo a chegar ao mercado. Precisamos de parceiros que se queiram juntar a nós para conseguirmos colocar o produto no mercado. Teremos todo o prazer em aceitar ajuda de todos”, afirma o co-coordenador da licenciatura de Bioengenharia da Universidade Católica do Porto.

“Quanto maior o financiamento, mais fácil será chegarmos ao mercado” “Os últimos dias têm sido caóticos: pedidos de colaboração, testemunhos de pessoas, cuidadores… Ainda não tivemos oportunidade de ler tudo! Tem sido muito bom, gratificante e espero que recebamos mais contactos. Penso que este projeto merece sair do laboratório e ainda temos muita burocracia pela frente. Quero deixar claro que não diagnosticamos: criámos um software para apoio médico. O software indica, dá um possível diagnóstico aos médicos, mas eles é que tomam a decisão clínica”, frisa o docente que não esconde que a equipa que lidera “já tem resultados que apontam para uma precisão elevada na doença de Parkinson”. 

“Esta e a Alzheimer são muito parecidas inicialmente e queremos que sejam mais facilmente diferenciadas, alargando esta ferramenta a outras doenças neurológicas e também psiquiátricas”, esclarece, dando como outro exemplo as semelhanças entre a Doença Bipolar e o Transtorno de Personalidade Borderline. Naquilo que concerne este primeiro passo, tanto Pedro como os restantes membros da equipa certificaram-se de que “aqueles que estavam assintomáticos acabavam mesmo por desenvolver Alzheimer”.

“Os sinais foram todos recolhidos na mesma data, mas tinham de ser validados para sabermos se desenvolviam a doença ou se, tendo lapsos de memória, até regressavam a estágios de controlo. Não tivemos sinais de pessoas em estados vegetativos, ainda tinham todas momentos de lucidez”, clarifica. Existem posições standard, colocamos 19 elétrodos mais um de referência para gerar o sinal em cada uma das localizações. A touca tem as posições previamente definidas, os sinais são transformados, passam do domínio analógico – pessoas – para o digital – números – através de um conversor com amplificador de sinal, porque são muitos ténues, e digitalmente processados, filtrados e aplicados algoritmos. Entendemos igualmente aquilo que é ou não patológico”, garante Pedro Miguel Rodrigues.

“Funciona em tempo real. A precisão é de 98%, mas uma margem de erro de 2% não pode ser menosprezada”, realça o investigador. “Nunca houve entraves, os médicos do S. João sempre colaboraram muito bem connosco”, diz o professor cujas áreas de interesse e investigação focam-se na aplicação de técnicas de processamento de sinal/imagem e de inteligência artificial no diagnóstico automático de doenças neurodegenerativas, cardíacas e da fala e na monitorização em tempo real de cicatrização de feridas.

“Nada nos serve ter 98% de precisão se não tivermos uma interface limpa e rápida: está muito ‘à engenheiro’ e precisamos de parceiros tecnológicos. Quanto maior o financiamento, mais fácil será chegarmos ao mercado”, finaliza o engenheiro que espera obter resultados promissores na deteção de sinais de outras doenças que afetam o sistema nervoso central, apostando, para tal, na inteligência artificial que tantos frutos tem dado.

Mais de mil pessoas morreram devido à doença de Alzheimer em 2019 Uma das componentes principais da Alzheimer é a acumulação progressiva de placas da proteína beta-amilóide no cérebro, que acaba por comprometer a ligação entre as células cerebrais e, consequentemente, deteriora as mesmas, conduzindo à perda de um conjunto de funções cognitivas, como a capacidade de memória, de raciocínio, de linguagem, de concentração, etc. Consoante a perda destas capacidades, dá-se o aumento da dependência dos idosos e, na maioria dos casos, a morte destes. A Alzheimer Portugal aponta três fases da demência no seu site oficial: inicial, moderada e avançada.

A Instituição Particular de Solidariedade Social fundada, em 1988, pelo professor Carlos Garcia, explicita que a primeira “só é evidente através de uma análise retrospetiva. Na altura pode ter sido impercetível, ou achar-se que era devida à velhice, ou ao excesso de trabalho. A demência inicia-se, geralmente, de forma muito gradual e é frequentemente impossível identificar o exato momento em que começou”, sendo que “a pessoa pode parecer mais apática, ter menor vivacidade; perder o interesse em passatempos e atividades; apresentar relutância em fazer coisas novas; ser incapaz de adaptar-se à mudança; ter dificuldade em lidar com dinheiro”, entre outros sintomas.

Na segunda, “os problemas são mais evidentes e incapacitantes” e “a pessoa pode: esquecer-se facilmente de acontecimentos recentes. A memória do passado distante é geralmente melhor, mas alguns detalhes podem ser esquecidos ou confundidos; ficar confusa em relação ao tempo e ao espaço; perder-se, se estiver afastada de ambientes familiares; esquecer-se de nomes da família ou amigos, ou confundir um familiar com outro”, exemplificando, enquanto na última “fica gravemente incapacitada e necessita de cuidado total”, sendo “incapaz de lembrar-se de situações ocorridas poucos minutos antes, por exemplo, esquecer-se que acabou de comer; perder a capacidade de compreensão ou de utilizar a linguagem; ficar incontinente; não reconhecer amigos e família” e muito mais, na medida em que os sintomas diferem entre doentes. Este é mais um dos motivos pelos quais o Neuro SDR representa um avanço essencial na engenharia biomédica e, consequentemente, na medicina e no bem-estar e tratamento de quem padece de Alzheimer.  

Há apenas três anos, 6.275 mortes, em Portugal continental, foram atribuídas à demência. Destas, 1.629 diziam respeito à doença de Alzheimer. Estes dados foram apurados a partir dos certificados de óbito na Plataforma da Mortalidade da Direção-Geral da Saúde, pela equipa que levou a cabo o estudo custos anuais com a Doença de Alzheimer equivalem a 1% do PIB português cujos resultados foram ontem divulgados, como o i avançou em novembro passado.

O Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE) da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa uniu esforços com a Biogen, empresa de biotecnologia pioneira na área das Neurociências, e, tendo em conta o elevado número de óbitos que a Alzheimer origina em território nacional, percecionou que esta patologia é atualmente responsável por cerca de 7% do total de anos de vida perdidos por morte prematura, sendo este impacto superior nas mulheres, com uma percentagem de 7,6%, enquanto os homens alcançam apenas 6,4%.

Recorde-se que não existem estimativas portuguesas representativas a nível nacional para a prevalência da patologia, sendo que os investigadores selecionaram uma que considerasse os dados da literatura quanto à proporção de Alzheimer no conjunto das demências e as estimativas de prevalência das mesmas.

Deste modo, acreditam que, nas faixas compreendidas entre os 65 e os 80 ou mais anos, são as mulheres que mais são afetadas (13,61% de doentes com Alzheimer no universo da demência), enquanto a prevalência é menor naquelas entre os 65 e os 69 anos (1,76%). No caso dos homens, as percentagens variam entre os 1,76% e os 12,75%, escalando esta à medida que avançam na terceira idade.

Por outro lado, o estudo revelou que a Alzheimer foi responsável por 45.754 anos perdidos por incapacidade, mais de dois terços dos gerados pela Aterosclerose. Tal como no caso das mortes, em que as mais afetadas são as mulheres, também são estas que mais anos perdem por incapacidade (60%). Os autores tentaram colmatar a lacuna da apuração do universo de portugueses que padecem desta doença e calcularam que, aproximadamente, 36.789 viverão com demência ligeira, 59.245 com demência moderada e 47.300 com demência grave. Ou seja, perfazendo um total de 143.334 doentes.

Portanto, em Portugal, existirão cerca de 194 mil pessoas com variadas demências, das quais 60% a 80% são casos de Doença de Alzheimer – perto de 145 mil. Tal ilustra as disparidades que existem nestes cálculos, sendo distintos daqueles mencionados anteriormente.

Naquilo que diz respeito aos custos, a sociedade investe cerca de 2 mil milhões de euros, todos os anos, nesta doença, sendo a maioria das despesas referentes a custos diretos não médicos, tais como cuidadores informais, cuja despesa ronda os 1,1 milhões de euros e apoios sociais, que correspondem a um custo anual de cerca de 551 milhões, equivalente a uma despesa média anual de cerca de 3.800 euros por doente.

Além disto, são necessários os dispositivos de apoio – cadeiras de rodas e apoios à marcha –, os acessórios para cuidado – fraldas, luvas, resguardos e toalhitas – , as adaptações físicas do domicílio, os apoios sociais – Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI) e apoio a doentes no domicílio por meio de transportes. As despesas podem ser superiores em caso de doença mais grave.

Relativamente aos custos médicos, que constituem 11% do total dos custos anuais associados à Alzheimer, estes dizem respeito ao internamento, ambulatório – a maior fatia da fatura –, diagnóstico, seguimento, tratamento de reabilitação e tratamento farmacológico cujo total estimado é de cerca de 166 milhões de euros, isto é, um custo médio anual por doente ronda os 1.700 euros.