Os mercados financeiros estão à beira de um ataque de nervos com a escalada das tensões entre a Rússia e a Ucrânia. A opinião é unânime entre os analistas contactados pelo i. As contas são simples: a Rússia fornece cerca de 30% do petróleo da Europa e 35% do gás natural, o que será cortado em caso de conflito. E, como tal, os preços destas matérias-primas já estão a avançar. “O Brent, que cota junto aos máximos dos últimos oito anos, e o preço do gás da Holanda, referência europeia, voltaram às subidas”, diz ao nosso jornal Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa. E lembra: “À medida que a Rússia e a Ucrânia se abeiram de uma guerra, os mercados financeiros estão muito mais preocupados com a dimensão e o número de subidas de taxas de juro pela Reserva Federal dos EUA, bem como de uma potencial redução do seu balanço. Mas os riscos de guerra e até os custos de uma paz instável podem estar a ser subestimados”.
E nota que se forem necessárias sanções pesadas contra a Rússia para evitar um conflito, o impacto nos preços dos combustíveis fósseis seria significativo, “mas talvez limitado no tempo”, considerando que “um embargo abrangente à Rússia é pouco provável, uma vez que a Europa é deficitária em gás e seria uma das regiões mais penalizadas e dificilmente abdicaria do gás russo. Já a China provavelmente apoiaria a Rússia através de um reforço das suas compras”.
Mas os efeitos não ficam por aqui. Paulo Rosa diz também que um potencial conflito poderia impulsionar os preços de várias commodities agrícolas. “A Rússia como o maior produtor de trigo do mundo e a Ucrânia entre os cinco primeiros. A grande produção de cevada, milho, girassol e colza também poderia ser afetada”, acrescentando que “também ao nível dos fertilizantes poderia existir escassez. A Rússia é um dos maiores produtores de potássio, ureia e fosfatos”.
O mesmo cenário de escassez poderia repetir-se na cadeia de abastecimento da indústria manufatureira que, de acordo com o analista, não estaria imune a um conflito ou sanções contra a Rússia. “O país do czares é também um considerável exportador de níquel, estimada em cerca de 49% da quota mundial, paládio 42% e alumínio 26%, de acordo com a Macrobond”.
E garante que “quanto maior for a escalada das tensões entre a Rússia e a Ucrânia, tanto maior será o impacto na economia global de uma subida dos preços das mercadorias, metais industriais e dos principais produtos agrícolas”, afirmando que uma “agudização do conflito na região do leste da Europa traduzir-se-ia numa diminuição do PIB global e num aumento da inflação, que será tanto maior, quanto maior e mais persistente for o conflito. No limite poderia redundar numa estagflação (estagnação económica acompanhada de inflação elevada)”, diz ao i.
Henrique Tomé, analista da XTB, lembra que estas questões Rússia vs Ucrânia remontam a 2014, quando ocorreu a anexação da península da Crimeia depois de Viktor Yanukovych ter sido derrubado. “A Rússia continua a insistir que a República Popular de Luhansk e a República Popular de Donetsk são independentes. No entanto, estas regiões são importantíssimas em termos económicos para a Ucrânia uma vez que ambas apresentam mais de 20% do PIB produzido pelo país”, diz ao nosso jornal.
E agora? Um risco que leva o economista sénior do Banco Carregosa a garantir que “um conflito ou sanções pesadas podem conduzir os investidores para títulos mais seguros, elevando os preços das obrigações, nomeadamente do tesouro norte-americano e alemão, e reduzindo as taxas de juro de longo prazo destes títulos. O que seria um contrabalançar à atual tendência de aumento das taxas de juros em muitas economias avançadas”. Ainda assim, recorda que a inflação no produtor poderia elevar-se ainda mais, impulsionada pela potencial escassez de commodities. “O dólar norte-americano, o iene japonês, o franco suíço e o ouro talvez sejam as opções mais óbvias em caso de conflito. O rublo seria um dos mais penalizados em caso de conflito ou sanções”.
E vai mais longe: “O setor petrolífero poderia beneficiar da escalada das tensões no leste europeu perante uma subida do preço do petróleo e do gás natural. A Europa seria uma das regiões mais afetadas, nomeadamente durante o inverno e escassez de gás, em que a Rússia seria das mais afetadas pelo embargo”, acrescentando que a “indústria automóvel seria uma das mais penalizadas com a escassez de metais industriais”.
De acordo com Paulo Rosa, até os EUA seriam penalizados. “Uma diminuição do trigo e do alumínio russos, face a um embargo, provavelmente atingiriam os compradores norte-americanos, cujos pão e carros tenderiam a subir de preço face a uma escassez”, refere ao nosso jornal. E afirma que empresas de consumo, “incluindo Coca Cola, Carlsberg e a fabricante de automóveis francesa Renault, que vendem os seus produtos na Rússia e Ucrânia, ou o banco italiano UniCredit, que tem filiais locais na região, são alvo de um maior escrutínio por parte dos investidores”.
Impactos para a economia De acordo com o economista sénior do Banco Carregosa, atualmente, o maior impacto na economia portuguesa, bem como da europeia, tem sido a subida da cotação do barril de petróleo que poderá abrandar a atividade económica e acelerar a inflação. Também o mercado bolsista não tem ficado à margem destes alertas. “Atualmente, as cotações das ações e os rendimentos das obrigações já incorporaram a recente investida da Rússia em território ucraniano limitado às duas repúblicas separatistas, bem como o ouro e o petróleo. Caso haja uma escalada no conflito através de uma resposta musculada da NATO e da Ucrânia relativamente à Rússia ou se as pretensões da Rússia forem além das duas repúblicas separatistas e o objetivo das tropas russas for tomar Kiev, então os mercados financeiros serão mais penalizados”, refere ao nosso jornal.
Também o petróleo, de acordo com o responsável, tem sido impulsionado pelas tensões geopolíticas entre a Ucrânia e a Rússia. E deixa três cenários. Um deles diz respeito à investida da Rússia em território ucraniano nas duas repúblicas separatistas. “Neste caso, a escalada da cotação do petróleo seria limitada e o preço do ‘ouro negro’ tenderia a estabilizar. Ademais, a perspetiva do regresso do petróleo iraniano ao mercado, no seio dos acordos nucleares, tem sido deflacionista para a cotação do petróleo e tem contribuído para a queda”. Outra hipótese passa por uma escalada no conflito através de uma resposta musculada da NATO e da Ucrânia relativamente à Rússia e, nesta situação, “o petróleo tenderá a superar os 100 dólares”. E por último, “as pretensões da Rússia vão além das duas repúblicas separatistas e o objetivo das tropas russas a tomar Kiev em que o petróleo ultrapassa sustentadamente os 100 dólares”, acrescentando que para encontrarmos o petróleo acima dos 100 dólares é necessário recuar a fevereiro de 2014, aquando da tomada da Crimeia pelos separatistas pró-russos.
Já Henrique Tomé acredita que não se esperam grandes impactos diretos na economia portuguesa, mas admite que a bolsa portuguesa está a sofrer com fortes quedas e segue em linha com os pares europeus. Mas garante que, “se o cenário de guerra se materializar, todos os envolvidos saem prejudicados e os custos inerentes a este cenário podem provocar sérias consequências económicas na Europa e em Portugal, nomeadamente na condução das políticas monetárias”.
E acrescenta que as atuais tensões no leste da Europa estão a prejudicar o desempenho dos índices bolsistas, sobretudo os europeus. “O índice russo já desvalorizou mais de 20% só este ano e, durante a sessão de ontem, o índice alemão voltou a atingir um novo mínimo deste ano”, refere.
O mesmo cenário repete-se na cotação do Brent que, de acordo com o mesmo, continua a subir e está muito próximo da barreira psicológica dos 100 dólares. Ainda assim, lembra que, as negociações nucleares com o Irão continuam e estão prestes a terminar. Já os preços do gás natural “curiosamente têm estado relativamente estáveis apesar do aumento das tensões no leste da Europa. “Embora a Rússia tenha um papel estratégico no fornecimento do gás natural para a Europa, o risco de um eventual conflito armado ainda não se está a refletir nos preços da matéria-prima”.
Já para Mário Martins, analista da ActivTrades, esta tensão coloca ainda mais pressão no aumento da inflação, uma vez que, entende que os custos energéticos estão presentes em toda a cadeia de produção, “o que trará consequências nefastas no crescimento económico, seja pela retração dos consumidores, como pelas medidas que terão de ser implementadas pelos bancos centrais para travar o aumento de preços, o que se transformará na segunda onda de retração do consumo”.
E recorda que, as duas outras ocasiões mais recentes onde o Brent ultrapassou os 100 dólares por barril foram em 2008 e 2014, “esta última curiosamente altura em que o príncipe Alwaleed bin Talal, referiu que o petróleo a 100 dólares nunca mais”, acrescentando que “a semelhança das situações é simplesmente a manipulação dos preços por parte da OPEP, através da restrição da produção, conjugada com um aumento momentâneo da procura, no caso atual derivado da retoma económica”.