Vítor Fernando Machado, antigo funcionário do Bloco de Esquerda (BE) que esteve envolvido na Marcha contra a Precariedade ao lado do ex-líder bloquista Francisco Louçã, esteve dois anos em funções a recibos verdes. Agora, passados cerca de 17 anos desde o primeiro momento em que prestou apoio ao partido, anunciou a sua desfiliação, apontando “a falta de coerência” como a principal razão para se desvincular politicamente do BE.
À conversa com o i, começa por explicar que o seu primeiro contacto com o BE, em 2005, aconteceu por mero acaso quando um autocarro de José Sá Fernandes, na altura vereador do Bloco de Esquerda da Câmara de Lisboa, parou em frente ao prédio onde morava em Campolide. “Estavam a tentar pôr som e uma pessoa da antiga UDP, que sabia que eu era técnico de som, chamou-me para resolver o problema”. Depois disso, foram mais de 10 anos a trabalhar com o BE, entre 2005 e 2016.
“Fui o 112 nacional do Bloco, onde quer que fosse eu estava. Eu era ‘o faz tudo’: o motorista, a pessoa que fazia os cartazes, que tratava do som, da luz, da vídeoprojeção, que pintava as faixas, etc. Em sete anos, com o Francisco Louçã, fizemos três milhões de quilómetros”, detalha.
Entre 2006 e 2008, o BE fez marchas pelo país fora, entre elas a Marcha pelo Emprego e a Marcha contra a Precariedade. Depois de um comício em Vila Real de Santo António, Monte Gordo, em 2008, Vítor que tinha acompanhado essas andanças de perto, despediu-se de Francisco Louçã, informando-o que o seu subsídio de desemprego estava na iminência de chegar ao fim e que não tinha condições para continuar ao dispor do partido, isto porque nos três anos em que tinha prestado serviços ao BE “estava a ser pago ao quilómetro”, sem qualquer vínculo profissional. Passadas 72 horas, foi chamado pelo partido, que lhe apresentou uma proposta de emprego, mas para entrar a recibos verdes. “Naquele dia desmoronei. Tinha acabado uma marcha contra a precariedade e de repente apresentam-me uma proposta de trabalho a recibos verdes”, confessa.
Contudo, as dificuldades e a necessidade de cuidar das duas filhas falaram mais alto e acabou por aceitar. Naquela altura, o tesoureiro do BE era Rogério Moreira, membro do Política21, da ala do eurodeputado bloquista Miguel Portas, que lhe explicou que ia ser assistente municipal e, por isso, era pago pela Assembleia Municipal de Lisboa. “É o saco azul de todos os partidos, quem não tem emprego vai parar lá e se quer dinheiro é a recibo verde”, descreve, acrescentando que “como o vencimento de assistente não era o valor que era pago aos quadros, e como havia mais lugares disponíveis na Assembleia Municipal de Lisboa colocaram mais uma pessoa para a mesma função, mas em part-time”. Assim, conforme explica, parte do vencimento dessa pessoa, podia ser usado para completar o vencimento de Vítor e equiparar ao valor que recebiam os quadros do partido, que rondava os 1400 euros mensais. Apesar do relativo folgo financeiro, não tinha direito a subsídio de férias nem de Natal.
Esteve nestas condições até 2009, quando passou para os quadros do partido, com contrato de trabalho e vínculo político, sendo pago pela Caixa Central do Bloco de Esquerda até 2011.
Mais tarde, sai da Sede Nacional e passa para o Parlamento, a nível de vencimento, sendo nomeado assistente parlamentar em março de 2012, cargo que ocupou até setembro de 2014. Contudo fica a trabalhar na mesma na Assembleia Municipal de Lisboa.
Só mais tarde, depois de ser chamado pelo antigo coordenador do BE João Semedo, ocupou o seu verdadeiro posto de trabalho na rua da Palma, onde também integrou o Gabinete de Produção Nacional.
“Em 2014, 80% das pessoas que estavam a auferir pelo Parlamento, não trabalhavam lá. E nós tínhamos 52 funcionários nessa situação, quer das distritais quer da sede nacional. Todos eram pagos como se fossem assistentes parlamentares, fossem da portaria, da tesouraria, da produção, da contabilidade, etc. E o que aconteceu com o BE, acontece com todos. Os que ficavam de fora, eram pagos pelo saco azul da Assembleia Municipal de Lisboa”, relata.
Até que, em outubro de 2014, é convidado a abandonar funções e a passar novamente para a Assembleia Municipal de Lisboa a recibos verdes, tendo o BE, pela voz do dirigente Ricardo Moreira, alegado falta de meios para lhe pagar. Ao que confrontou a atual líder Catarina Martins, cuja justificação, de acordo com Vítor, foi: “Temos 27 mil euros na Assembleia Municipal e temos de os gastar, se não para o ano que vem não os temos”. Depois ficou a saber que Filipa Gonçalves, funcionária distrital do BE da ala do PSR, entrou para o quadro para o seu lugar. “Afinal de contas, não havia falta de dinheiro”, ironiza. Mais grave ainda, como mais uma vez o vencimento pela Assembleia Municipal não era equiparado ao dos quadros, Vítor recebia ainda 349 euros todos os meses por fora, que era conseguido através de despesas com o contribuinte do BE.
A sua preocupação na altura foi assegurar que não perdia o direito ao subsídio de desemprego. Foi-lhe então sugerido pelo BE falsear o despedimento. “Despedimos-te, pedes o subsídio de desemprego e estás 22 dias assim. Ao fim desse tempo pedes a suspensão e abres atividade, porque depois quando fechares atividade, tens novamente direito ao subsídio de desemprego”, narra, dizendo que o fez contrariado mas por uma questão de “sobrevivência”. Em 2016, o BE acabou mesmo por rescindir contrato.
Hoje, aos 58 anos, vive com um subsídio de desemprego subsequente de 357 euros, que termina em abril. Deu entrada com um pedido de Pensão Antecipada por desemprego de longa duração, que foi agora indeferido porque esteve falsamente 22 dias desempregado antes de completar 52 anos, o que o impede de receber este apoio da Segurança Social. “Saí prejudicado em todas as frentes”, desabafa.
O i confrontou o Bloco de Esquerda com as declarações de Vítor Machado, mas não obteve qualquer tipo de resposta até ao fecho desta edição.