Descansar em paz

Só quero um colchão, bom, para dormir bem e descansado, e já agora que não custe uma fortuna e seja de fabrico nacional. 

Por Alice Vieira e Nélson Mateus

Querida avó,

Agora que o António Costa ganhou as eleições (com maioria absoluta), rasgou com a geringonça, está prestes a formar governo e, para felicidade de todos nós, em contagem decrescente para anunciar o fim da maldita pandemia … achas que com tudo isto já dorme mais descansado?

Eu acho que quem governa um país nunca dorme descansado!

Por falar em dormir descansado resolvi trocar de colchão. Já andava para o fazer há imenso tempo. Como tal, chegou a hora de reformar o velho colchão e dar lugar a um novo.

Os meus avós nunca tiveram dificuldades em comprar colchões. Lembro-me dos seus colchões de palha. Quando começavam a ficar com muito uso, bastava fazer uma abertura lateral, colocar mais palha, fechar a abertura e ficavam com um colchão como novo.

Agora existem inúmeras opções. Com molas, sem molas, com molas ensacadas, de espuma, viscoelástico, látex… os que precisamos de girar no sentido dos ponteiros do relógio, ou que viramos consoante as estações do ano, os que não precisamos de virar… Todas estas opções dão-me uma soneira. 

Só quero um colchão, bom, para dormir bem e descansado, e já agora que não custe uma fortuna e seja de fabrico nacional. 

Como boa avó que és estás-me sempre a dar-me dicas. Que a tua psiquiatra aconselha a manter rotinas, a desligar os ecrãs, a preparar o corpo e a mente para desligar …

Faço tudo isso e nem sequer tenho problemas em adormecer. O problema é acordar a meio da noite e ter dificuldade em voltar a dormir.

Optei por um colchão Koala rest. De produção nacional, que efectivamente me tem deixado dormir melhor. Sinto-me mais descansado, o que me permite ter mais qualidade de vida. Não tive que gastar os olhos da cara e ainda tem a vantagem de ter tecnologia que isola o movimento da outra pessoa, imagina.

Espero que as minhas noites de sonho comecem aqui.

Depois conto-te tudo. 

O pai do António Costa não era teu amigo? Ou fui eu que sonhei?

Bjs

Querido neto,

Efetivamente nada como uma noite descansada! Como sabes não tenho problemas nenhuns em dormir. Mas confesso-te que fiquei com muita vontade de conhecer esses colchões. A tua avó já não vai para nova e precisa de dormir como uma princesa.

Ainda bem que falaste do António Costa. 

Aliás, tenho pensado muito no meu amigo Orlando da Costa. De resto eu lembro-me sempre muito dele e faz-me muita falta. Se ele ainda cá estivesse, o que nós não teríamos conversado nestes últimos dias…

De ascendência goesa, Orlando da Costa era comunista, foi preso, foi um dos escritores portugueses com mais livros apreendidos pela censura — e sempre o vi com aquele sorriso, aquela tranquilidade – e aquele cachimbo pendurado na boca.

O Orlando da Costa foi um grande escritor, premiadíssimo — e hoje ninguém se lembra dele!! Por isso eu faço aqui um apelo às editoras para que reeditem os seus livros!! Durante muito tempo escreveu sobretudo poesia (para mim ele é um grande poeta, lembro-me sempre de um grande poema que ele dedicou à minha prima Maria Lamas, que começa «amiga te chamamos/ mãe te chamaríamos…»)—mas depois dedicou-se mais ao romance e ao teatro – muito bom em todos os géneros. Pelo menos editem os mais conhecidos: O Signo da Ira, o Podem Chamar-me Eurídice e A Como estão os Cravos Hoje?

O Orlando da Costa passava muito tempo em nossa casa. Tinha imensa paciência para os meus filhos, então miúdos, e eles gostavam muito dele, porque ele contava-lhes histórias… Mas um dia o meu filho André, ia ele a meio de uma história, interrompeu-o e disse-lhe, apontando para o cachimbo: «Não sabe que isso faz mal? Não sabe que pode morrer?».

E ele, «tens razão, meu filho, tens razão!».

E a partir desse dia, em nossa casa ele nunca mais fumou. Nestes últimos dias tenho-me lembrado muito dele. E onde quer que ele esteja, tenho a certeza que está a sorrir para nós, muito feliz por ver o seu filho António chegar a primeiro-ministro com maioria absoluta.

Bjs