Por António Manuel de Paula Saraiva
Enquanto os mísseis caem sobre a Ucrânia e os países ocidentais preparam sanções, com os políticos a fazer declarações entre o preocupado e o inflamado, os homens sensatos e pacíficos devem procurar soluções. Não queremos, pelo menos eu não quero, viver num mundo em que as crianças – e já agora os adultos – sejam criadas sob a ameaça de uma guerra. Não podemos destruir a economia com sanções, mas, e mais importante, não poderemos viver num Mundo em que vejamos outros países – na prática os seus cidadãos – como “maus”, o que equivale a criar uma nova forma de racismo – agora já não dos brancos em relação aos africanos, mas entre europeus. Não interessa procurar culpados – a sua eventual punição implicaria uma guerra mundial, o que é inconcebível, e as sanções afectam os cidadãos comuns – os responsáveis políticos a elas escapavam, nunca lhes faltará pão na mesa. E esta guerra tem de acabar o mais rapidamente possível, o seu prolongamento só aumentará as vítimas, os refugiados, e cavará feridas mais difíceis de sarar – e queremos pôr de parte um eventual descontrole, aina que fortuito, com consequências difíceis de imaginar.
E se é certo que qualquer solução de um conflito implica sempre cedências de parte a parte, também é verdade que, para que as partes não percam a face e aceitem essas cedências, têm forçosamente de incluir aspectos que as várias partes considerem como vantajosos para elas.
Ora as partes são envolvidas neste conflito são três: A Rússia e as suas preocupações defensivas, e o seu orgulho ferido pelo desfazer da antiga União Soviética. A comunidade russa ou russófila na Ucrânia – os “independentistas”. E finalmente os Ucranianos propriamente ditos que querem separar-se definitivamente dos antigos “patrões” e da sua ideologia.
E assim atrevo-me a propor o seguinte: A “solução central” seria transformar a Ucrânia num estado federal. Isto porque as comunidades russofilas sentem-se hoje menorizadas pelo novo Estado Ucraniano – Estado que, como é compreensível num Estado recém-formado e com pouca história se quer afirmar e por isso separar o mais possível dos antigos “donos”, a Rússia. E essas comunidades, como se sabe, revoltaram-se em 2014 e proclamaram as repúblicas de Lugansk e Donetsk. Com a solução da Federação as diferentes comunidades teriam espaços onde se sentiriam mais “em casa”. E quer russófilos quer ucranianos, se alguma vez se sentissem menosprezados nesses estados federados, teriam sempre a hipótese de migrar para outra região sem sair do seu país.
Como “compensação” a Ucrânia recuperaria as suas fronteiras; as repúblicas independentistas, como é evidente, teriam de perder a sua independência – aliás este era de certa forma o espírito dos Acordos de Minsk (que nenhuma das partes cumpriu).
Para fazer com que os cidadãos dos diversos estados federados se sentissem mais em casa seria aconselhável que as duas línguas, russo e ucraniano, fossem línguas oficiais em todo o país.
O novo Estado Ucraniano seria neutral, dando assim cumprimento a uma das preocupações fundamentais da Rússia. Mas seria aceite na União Europeia, o que facilitaria a vida aos ucranianos que poderiam mais facilmente vir trabalhar para a Europa, onde os salários são muito superiores aos da sua terra. E sentir-se-iam assim mais “europeus”, o que é um desejo de parte importante da sua população.
Resta o problema da Crimeia, o mais difícil de resolver. Aí a posição moral da Rússia parece mais fácil de defender, pois a Crimeia foi “dada” por Khrushchov (que nasceu numa aldeia próxima da actual fronteira entre a Rússia e a Ucrânia) à Ucrânia em 1954, e a sua população é em grande parte russa. E nos tempos da União Soviética as “fronteiras” entre as várias repúblicas tinham pouca importância, pois que mandava era o Partido Comunista da URSS.
A somar a isto a Crimeia foi incorporada em 2014 na Federação Russa, o que torna difícil, pelo menos em termos de face por parte da Rússia – e possivelmente em termos de aceitação pela população – de uma devolução desta província à Ucrânia.
Mas a actual situação teria de ser tornada mais aceitável para a Ucrânia. A este país deveria ser cedido um porto de mar com acesso livre. A língua ucraniana passaria também a ser oficial, e deveriam poder existir meios de informação e escolas em ucraniano.
A Rússia e a Ucrânia aceitariam oficialmente a existência e as fronteiras dos dois Estados.
Restam dois problemas secundários, mas também de certa importância. Os “crimes de guerra” supostos ou verdadeiros, bem como os posicionamentos e responsabilidades políticas seriam esquecidos.
A reconstrução da Ucrânia deveria ser suportada por um Fundo que seria financiado, em partes iguais, pela Rússia e pela União Europeia.
Quem ganha? Para mim todos.