Os relatos que chegam de quem vive a guerra: “A comida está escassa. A situação é difícil e todos estão em pânico”

Igor Galli, brasileiro, está próximo de Lviv. As sirenes fazem-se ouvir e vai imediatamente para o búnquer com o resto da família. A sua mulher está grávida de seis meses. Ola Zyguła, polaca, está em Cracóvia e tem uma amiga perto de Odessa que passa o dia fechada na cave com a sua filha de…

Não há muito tempo para falar: cada minuto é imprevisível. Igor Galli, brasileiro, encontra-se em Pustomyty, perto de Lviv, cidade próxima da fronteira com a Polónia, e tem relatado a sua rotina desde o primeiro dia da guerra com pequenos vídeos publicados no Youtube. 

"Em Pustomytyn está tudo bem. Não houve nenhum ataque, até agora. Mas a comida está escassa. Ninguém está a trabalhar. A situação é difícil e todos estão em pânico", disse, em declarações ao Nascer do Sol. 

Mal se ouvem a sirenes, é quase instintivo: correr para o búnquer. O espaço é partilhado por mais pessoas, como a sua mulher, Galia Galli, ucraniana e grávida de seis meses, a cunhada e os seus quatros filhos, com idades entre os dois e os nove anos. "É este o grupo de que vou tomar conta nos próximos tempos". E foi assim que Igor Galli acabou a primeira parte da conversa: "Ouvem-se sirenes agora. Vamos ter de ir para o búnquer. Não posso falar agora". 

A embaixada de Portugal na Ucrânia pediu este sábado aos cidadãos portugueses que abandonem Lviv. "A situação de segurança em Lviv pode vir a agravar-se a qualquer momento. Aconselhamos os cidadãos portugueses a abandonarem esta cidade imediatamente, não podendo garantir-se uma evacuação por via terrestre. Estejam atentos às nossas informações”, lê-se no site oficial. Quem está em Kiev, por outro lado, deve abrigar-se. "Regista-se um agravamento da insegurança na cidade de Kiev. Aconselhamos os cidadãos portugueses que ainda estejam na cidade a manter-se abrigados e a não tentarem sair por agora. Estejam atentos às nossas informações”, diz ainda. 

Mais tarde, quando as sirenes pararam de tocar, Igor Galli voltou a estar disponível para poder reportar o ambiente. "Ontem foi a primeira vez que se ouviu a sirene, aqui em Pustomyty, e só tocou uma vez. Este sábado já tocou várias vezes", descreve. Na sexta-feira, Igor saiu de Pustomyty e foi ao centro de Lviv para conseguir trazer a mãe e as avós de Galia Galli para uma zona mais segura.

Abandonar a cidade? "Não", afirma. Pelo menos até Lviv ser bombardeada. Mal isso aconteça, não há dúvidas. "Vou embora com a minha mulher, com as crianças e com a minha cunhada para a Polónia". E assim será, se tudo correr bem. Ao contrário dos homens ucranianos entre os 18 e os 60 anos de idade que, devido à lei marcial, não podem sair da Ucrânia, Igor Galli tem dupla nacionalidade: é brasileiro e italiano. 

Considerado o brasileiro que mais viaja do mundo, Igor Galli já passou por mais de 150 países. Foi casado com uma australiana, que morreu em 2014 na sequência da queda do avião da Malaysia Airlines, perto da fronteira com a Rússia, a 17 de julho de 2014. Morreram 298 pessoas. O avião foi abatido por um míssil quando sobrevoava o leste da Ucrânia, perto da fronteira com a Rússia. Na região está a cidade de Donetsk.

Veja aqui os vídeos.

Escondida numa cave com a filha de dois meses

Iwona Zyguła, mulher polaca de 48 anos de idade, residente em Cracóvia, na Polónia, conta ao Nascer do Sol que o país está a sofrer "tentativas de assaltos informáticos a bancos" e que a população "tem medo" da guerra, já que houve várias explosões a poucos quilómetros de Lviv.

"Tenho amigos na Ucrânia e estamos muito preocupados com eles. Alguns vivem no campo e ainda conseguem ter alguma paz, embora consigam ouvir as bombas a cair", continua Iwona Zygula, dizendo a possibilidade de estes fugirem para a Polónia é, por agora, impossível, porque os homens entre os 18 e 60 anos de idade não podem sair e "não querem ficar separados".
 
Ola Zigula, a sua filha mais velha, tem uma amiga que vive em Chernomorsk, perto de Odessa, na costa ucraniana, onde esta quinta-feira uma embarcação turca foi bombardeada, naquele que foi o primeiro dia de guerra. "A minha amiga está escondida na cave, juntamente com a sua filha, com apenas dois meses de idade, diz. "Se ela conseguisse chegar à fronteira polaca de alguma forma, disse-lhe que organizaríamos ajuda. Eu conduzia até lá para a ir buscar e acomodá-la em minha casa, mas ela apenas agradeceu pelo apoio".

Questionada sobre a ambição do Presidente da Rússia e a possibilidade de haver um ataque à Polónia, Iwona Zygula afirma que "Vladimir Putin é imprevisível" mas, por agora, "não quer entrar em pânico". Já a filha confessa: "Estamos muito assustados na Polónia. Pensamos que se a Ucrânia cair, seremos os próximos". 

Cerca de 100 mil pessoas já cruzaram a linha de fronteira entre a Ucrânia e a Polónia desde o início da invasão russa, segundo a Guarda de Fronteira polaca. E tudo indica que esse número irá aumentar.