Académica estudando na Europa

A história da Académica nas taças europeias começou em 1968. Devia ter sido uma ano antes. Mas não tinha feira. Sem feira não valia!

Coimbra chegou à Europa em 1968. Ou seja, foi esse o ano em que a Académica se estreou nas competições europeias. Uma injustiça!, diga-se de passagem. Afinal, no campeonato nacional de 1966-67, a Briosa tinha-se orgulhosamente classificado em segundo lugar dando água pela barba a uma das melhores equipas da história do Benfica. E, no entanto, em vez de participar naquela que se chamava, então, Taça das Cidades com Feiras, ficou em casa. Porquê?

É fácil e explica-se já aqui ao lado: Coimbra não tinha feira. Não era como Viseu e a Feira de São Mateus ou como Aveiro e a sua Feira de Março. Um ferro! Cabeçudos, os senhores que mandavam na UEFA não quiseram sequer ouvir falar no assunto. Era a Taça das Feiras, quem não tinha feira não entrava. Ora brócolos! Era razão mais do que suficiente para fazer rebimbalhar de irritação a Velha Cabra!

O tempo passou. E não foi muito. Apenas um ano. Afinal aquela equipa da Académica tinha tanta qualidade, com os seus Peres, Alhinho, Gervásio, Maló, Rocha, Rui Rodrigues, Marques, Vítor Campos, Mário Campos, Manuel António, Nene, Artur, Artur Jorge, Zé Belo, Luís Eugénio e por aí fora que qualificar-se para uma competição europeia não poderia tardar, com feira ou sem feira. Quarta classificada em 1967-68, abria-se de novo a porta da Taça das Feiras.

E, desta vez, a UEFA mandou avançar os estudantes que, no dia 2 de Outubro de 1968, no tempo em que quem usasse capa e batina só pagava cinco tostões nos transportes públicos de Coimbra, se apresentaram pelas 20h30 de Lisboa no Estádio Municipal de Gerland para medir forças com o Olympique de Lyon. Jogo duro. Arbitrado por um luxemburguês sem autoridade de nome Moscardo, os jogadores de uma e de outra equipa trataram mais de se preocupar com as canelas adversárias do que com a bola propriamente dita.

A oito minutos do fim, Guy fez o único golo do jogo e a Académica teria de reverter em Coimbra a derrota de 0-1. E lá reverter, reverteu. Graças a um golo de Manuel António aos 76 minutos, tudo ficou igual. E manteve-se igual após a meia hora do prolongamento. Então, pela mão de um espanhol de metro e noventa, o señor Bueno, árbitro, decidiu-se a eliminatória por esse estúpido artifício de moeda ao ar. A moeda de um duro voou e caiu no chão. Rocha, o capitão, que pedira escudo, levou com a embirrenta fuça do generalíssimo Franco. A aventura europeia chegava ao fim.

A Europa continua!

Na época de 1969-70, a Académica estreou-se, desta vez, na Taça das Taças (o Benfica fora campeão e batera os estudantes na célebre final da revolta académica). Na primeira eliminatória, 1-0 e 1-0 aos finlandeses do Kuopion. Na segunda, contra o Magdeburgo, da RDA, 0-1 e 2-0, golos de Alhinho e Mário Campos. Um luxo! Depois o Manchester City: 0-0 e 0-1, após prolongamento.

Era de bufar pelas narinas. Zé Belo, que fez parte dessa Coimbra da Europa, recorda: «Tive a sorte de ter estado em todos os jogos, à exceção da memorável eliminatória com o Manchester City. Mas para além do encantamento, que significou poder olhar para lá de Vilar Formoso, lembro a ida à Alemanha do Leste, onde, depois das refeições, sobretudo ao jantar, ficava à mesa com o intérprete destacado para nos acompanhar. A empatia aconteceu e a reboque disso a minha curiosa e irreverente juventude depressa levava os temas da conversa muito para além do futebol. E esses diálogos fizeram um contundente contraponto a muitas ideias, que tinha coladas e que circulavam e medravam em muitos colegas da Universidade. Aliás, se sou social-democrata e com ela quero desafiar o futuro dos netinhos, posso dizer que a semente foi lançada algures em Magdeburgo».

E acrescenta: «Lá, também aconteceu um episódio curioso. Quando estávamos a entrar em campo, dei conta que o n.° 9 deles não parava de olhar para mim. A dado passo, vejo o dedo dele apontado para mim e a gritar: ‘Belgrado!’. Estava desfeito o mistério. Fomos um ao encontro do outro e abraçámo-nos com afeto. É que tínhamos estado juntos no mesmo Centro Desportivo, durante todo o Torneio Internacional de juniores , ele a representar a Alemanha Oriental e eu Portugal. Chama-se Sparwasser e foi ele o primeiro jogador da RDA a jogar na Alemanha Ocidental, sendo também conhecido por ser dele o golo da única vitória da Alemanha Oriental sobre a Alemanha Ocidental, no Mundial de 74». Os estudantes aprendiam novas lições.