Em Mariupol, uma cidade cercada, com a comida e medicamentos a escassearem, sem água ou eletricidade e com as comunicações a falhar, o corredor humanitário prometido pelos russos falhou mais uma vez, este domingo, sob pesados bombardeamentos, denunciaram autoridades ucranianas. Em Irpin, nos arredores de Kiev, civis morreram enquanto tentavam fugir, num momento que vemos os estragos causados pelo começo de uma fase ainda mais brutal desta guerra, com a frustração do Kremlin perante a resistência das forças ucranianas entrincheiradas nas cidades.
Talvez o pior da invasão, até agora, esteja a ser vivido pelos de 200 mil civis – cerca de metade da população da cidade – que se estima ainda estarem presos em Mariupol. Trata-se de um dos alvos principais do Kremlin, não só por ser uma cidade estratégica, que garante o controlo do mar de Azov, pelo seu valor industrial ou pela sua proximidade aos territórios controlados pelos separatistas, mas também por ser uma das principais bases das milícias nacionalistas ucranianas, odiadas pelo Kremlin. Aliás, quando Vladimir Putin justifica a sua invasão com a “desnazificação” da Ucrânia, refere-se a estes grupos. E a expectativa é que os nacionalistas entrincheirados em Mariupol não recebam grande piedade dos russos. Nem eles, nem os civis apanhados pelo meio.
Aliás, nem o cessar-fogo acordado para entre a madrugada e as 9h (7h em Portugal continental) de domingo, para permitir a fuga de civis para Zaporizhzhia (ver páginas 4-5) foi respeitado, à semelhança do que sucedeu no dia anterior.
“Mesmo quando ia começar a conduzir, o bombardeamento começou outra vez. Ouvi explosões perto de nós”, contou Maxim, um informático de 27 anos, que se escondeu na cave dos avós, à BBC. “Podia ver fumo a subir da cidade e da autoestrada para Zaporizhzhia, por onde era suposto as pessoas escaparem”.
Já em Irpin, apanhada no meio do movimento das forças russas que tentam cercar a capital, pelo menos uma mãe e duas crianças foram abatidas por fogo de morteiro russo, enquanto o pai ficou gravemente ferido avançou o New York Times. À semelhança de centenas de refugiados, a família massacrada tentava escapar através do rio Irpin, carregados com mantimentos ou as suas posses de maior valor, atravessando os restos de uma ponte destruída pelas forças ucranianas, para travar o avanço dos invasores.
Tudo parece indicar que Putin, frustrado por o Governo ucraniano não ter caído rapidamente, não tendo conseguido negociar a rendição das autoridades locais de cidades cercadas – nem em Kharkiv, uma cidade russófona, governada por um partido considerado pró-russo, o conseguiu – e reticente em sofrer baixas com combate urbano, possa optar por martelar as cidades ucranianas até à rendição.
“Irá a santidade dos santuários ortodoxos criar a contenção que não se viu nos ataques aos muçulmanos na Chechénia ou na Síria?”, escreveu na BBC, Jeremy Bowen, um dos repórteres que assistiu à total destruição de Grosny, entre 1999, bem como os bombardeamentos de Alepo, em 2016. “O próprio Putin escreveu sobre o significado da Ucrânia na história Russa. Estará ele preparado para destruir a Ucrânia para a recuperar?”.