À medida que os civis vão sofrendo cada vez com a guerra na Ucrânia, com corredores humanitários a falhar e cidades sob bombardeamento (texto ao lado), o Ocidente observa e tenta reforçar as sanções, a principal arma que considera poder usar contra a Rússia sem risco de provocar uma III Guerra Mundial.
Washington até está em conversações com aliados europeus para proibir a importação de petróleo russo – apesar dos europeus comprarem 60% do seu petróleo à Rússia, segundo uma análise da Sky News, nos últimos dias houve maior abertura a uma proibição, avançou a Reuters, mas Alemanha e Húngria já se mostraram contra – e a industria está em polvorosa, provocando um pico no preço do barril (ver páginas 14-15). No entanto, no que toca à compra de gás natural, não se anteveem grandes mudanças em breve.
Como costume, os europeus continuam a financiar a máquina de guerra do Kremlin com a compra de gás natural, agora até mais do que antes com a subida dos preços. Seis dias após a invasão, a União Europeia estava a injetar diariamente 689 milhões de euros na economia russa através da compra de gás natural, mostra uma análise da Bloomberg, aproveitando-se das lacunas nas sanções no que toca ao mercado da energia, a principal exportação da Rússia.
Já na Ucrânia desespera-se. “O gás e petróleo russo tornaram-se o equivalente moral dos diamantes de sangue”, apelou Oleg Ustenko, um dos principais conselheiros económicos do Presidente Volodymyr Zelensky, num artigo de opinião no LA Times.
Contudo, surpreendentemente até mesmo os gasodutos que cruzam a Ucrânia, levando gás natural da Rússia até à Europa, continuam a funcionar plenamente no meio da guerra, avançou a agência noticiosa russa Prime. A Gazprom, um gigante russo do setor energético, está a transportar diariamente 109.5 milhões de toneladas cúbicas de gás natural através de território ucraniano, o mesmo volume que antes deste conflito.
A questão é que nem a UE quer enfrentar um agravamento da sua crise energética, nem Kiev se pode dar ao luxo de perder os 2,66 dólares por mil m3 de gás natural por 100 km que cobra a Moscovo, segundo dados do Instituto para o Estudo de Energia de Oxford, num total anual equivalente a 1,1 mil milhões de euros. Era por isso que o Nord Stream 2, um gasoduto que levaria gás natural russo diretamente para a Alemanha, através do Báltico, era considerado uma ameaça crítica para a Ucrânia, ao permitir às empresas russas contornar os seus vizinhos. A decisão da Alemanha de suspender a abertura do Nord Stream 2 é considerado um dos principais golpes económicos aplicados ao Kremlin desde o início do conflito, mas o Nord Stream 1 continua a funcionar.
Tão cedo gasodutos como o Nord Stream 1 não deverão ser fechados, tendo o chanceler alemão, Olaf Scholz, explicado que a energia russa tem “uma importância essencial para a fornecer serviços públicos e para a vida quotidiana” dos alemães, num comunicado que foi divulgado esta segunda-feira.
“De momento, o fornecimento de energia da Europa, para gerar calor, mobilidade, eletricidade e indústria não pode ser assegurado de qualquer outra maneira”, lia-se, num documento que ilustra o falhanço do plano da Casa Branca para que os aliados europeus obtivessem energia através de outras fontes, como importando gás liquefeito vindo de petroleiro do Qatar.
De facto, parece que a Europa só não compra ainda mais gás natural russo porque Moscovo não quer. A Rússia, que pouco antes da invasão da Ucrânia assinou um acordo de comercial para venda da energia à China, tem estado a fornecer gás aos europeus apenas na medida necessária para cumprir contratos de longo prazo, não aceitando encomendas extra, avançou a Reuters, ao contrário do que fazia, causando um pico nos preços. Moscovo tem justificado que não tem gás natural de sobra, muitos analistas veem a manobra como forma de pressão.