Com a primavera à porta, Portugal pode estar a entrar numa epidemia de gripe sazonal ‘fora de época’, com o aumento de casos de gripe nas últimas semanas a seguir o padrão mais habitual do inverno. O ponto de situação é feito ao Nascer do SOL por Ana Paula Rodrigues, responsável pela vigilância de vírus respiratórios no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, que avança como explicação, a par do que tem estado a acontecer noutros países europeus, o levantamento das restrições da pandemia e uma menor imunidade por ter havido, desde 2020, pouca exposição à gripe.
Depois de na semana passada ter sido detetado um surto de gripe A em Leiria, com 65 casos confirmados, nomeadamente entre jovens, o INSA, que faz a vigilância da atividade gripal no país, revelou esta quinta-feira que na primeira semana de março os hospitais sinalizaram um total de 165 casos, todos do tipo A, não tendo havido nenhum doente com gripe a precisar de cuidados intensivos, informação que os hospitais semanalmente ao instituto.
Ana Paula Rodrigues explica no entanto que os vírus do tipo A que estão a circular, nomeadamente o A(H3), que costuma ser associado a épocas de gripe mais severas e que tem dominado as infeções despistadas, têm diferenças face aos que foram usados na produção de vacinas da gripe administradas no último outono. É uma evolução esperada nos vírus e que motiva a atualização das vacinas da gripe anualmente, mas havendo agora uma circulação crescente da gripe antes de novas vacinas, deverá motivar mais precauções, nomeadamente por parte da população mais vulnerável.
«Temos visto um padrão um pouco diferente daquilo a que estávamos habituados antes da pandemia em relação à gripe mas que não é muito surpreendente tendo em conta as alterações nos últimos anos», nota Ana Paula Rodrigues, lembrando que no mês de março o habitual era estar-se a sair da época gripal. «Com as medidas que vigoraram para a covid-19, estivemos dois anos praticamente sem gripe, embora o vírus estivesse a circular. Agora tivemos um alívio de restrições e verificou-se uma diminuição da temperatura média. Tudo isto conjugado pode levar à situação a que temos assistido», continua a médica. «O que temos visto nas últimas três semanas é um aumento progressivo do número de casos, nomeadamente nos hospitais, o que nos faz pensar que poderemos entrar nas próximas semanas em epidemia de gripe. Neste momento a atividade não será muito intensa porque não temos visto doentes internados em cuidados intensivos e a mortalidade por todas as causas tem estado em valores normais, mas é uma situação que estamos a acompanhar», garante a responsável.
Co-infecções mais prováveis
Numa altura em que os casos de covid-19 estão também de novo a subir, com um aumento de 35% nos últimos sete dias e o que parece ser uma sexta vaga a formar-se, Ana Paula Rodrigues admite que é expectável que, neste cenário, venham a ocorrer mais casos de co-infecção de SARS-CoV-2 e influenza, com o país a confrontar-se pela primeira vez com o que é esperado nos próximos invernos: a coexistência de covid e gripe, além de outros vírus, que circulam mais no tempo frio.
Já chamados de ‘flurona’, até 6 de março foram sinalizados ao INSA 33 casos de co-infecção pelo vírus da gripe e SARS-CoV-2. Ana Paula Rodrigues diz que neste momento não existe uma análise nacional sobre as manifestações clínicas destes casos, que serão agora avaliados à medida que houver maior casuística. «É uma análise que também está a ser feita a nível europeu para se perceber se são casos mais graves ou não do que os outros. Em alguns países que estavam com mais gripe no início da pandemia em março de 2020 foram sinalizadas as primeiras co-infecções, mas foram poucos casos. Se se confirmar que entramos numa epidemia de gripe, essas situações poderão ser mais frequentes e terão de ser estudadas».
Alerta para gripe mais forte
No imediato, o facto de o vírus A (H3) dominar a subida de casos de gripe indicia que podem surgir gripes mais fortes. «Dentro da gripe A há o vírus A(H1) e o A(H3). Neste momento o que temos em predomínio é o A(H3), que de acordo com o nosso histórico, em anos em que predomina há infeções mais graves, sobretudo nas pessoas mais velhas e mais vulneráveis, com impacto na mortalidade e nos internamentos. Não quer dizer que assim seja este ano, mas é importante passar a mensagem de que apesar de estarmos numa situação de alívio de restrições da covid-19, há medidas como a lavagem das mãos, etiqueta respiratória e o cuidado com as pessoas mais velhas e doentes, especialmente se tivermos sintomas, que devemos manter neste período», recomenda Ana Paula Rodrigues.
O facto de os vírus do tipo A que estão a circular, já caracterizados pelo INSA, serem geneticamente distintos dos usados nas vacinas da época de 2021/2022 leva a responsável a reforçar o alerta, sublinhando o papel das chamadas medidas não farmacológicas, com se viu na covid-19, na menor transmissão. Já sobre se uma epidemia de gripe na primavera poderá motivar a manutenção de medidas como uso de máscaras em espaços interiores, que a DGS apontou que seriam levantadas em abril, Ana Paula Rodrigues defende que mais do que uma obrigação, deve haver uma recomendação do uso de máscara quando se tem sintomas, a par de medidas como evitar expor pessoas mais vulneráveis ou evitar grandes ajuntamentos populacionais.
Ao Nascer do SOL, o pneumologista Filipe Froes sublinha que o aparecimento de mais casos de gripe é o esperado com o alívio de restrições, sublinhando que é necessário acompanhar a evolução para perceber o impacto. No caso das co-infecções, um dos dados já disponíveis é que estar vacinado pela menos contra a covid-19 é um fator protetor, reforça.
Admitindo-se com a chegada do tempo quente a incidência poderá abrandar, o médico considera que a atual situação deve levar a um reforço da sensibilização para as medidas a adotar, da importância da vacinação tanto contra a covid-19 como da gripe para prevenir doença grave. «Esta situação vem alertar-nos que para o ano provavelmente vamos ter a gripe que tínhamos antes da pandemia ou mais forte, com a desvantagem de termos pessoas mais fragilizadas porque não tiveram contacto com vírus nos últimos anos e têm a sua resposta imunitária menos apta. Teremos de tentar vacinar mais as pessoas vulneráveis contra a gripe e com vacinas mais eficazes», sublinha.
Na semana em que a DGS anunciou o fim dos boletins diários da covid-19, o médico defende a importância de manter uma vigilância forte para se perceber o mais precocemente possível se se o aumento da incidência se traduz num aumento de complicações e internamentos nos hospitais, que tendem a surgir com maior desfasamento._«Não sei se foi a melhor altura para a Direção Geral da Saúde alterar o modelo da publicação de informação. É algo que numa altura de aumento de incidência nos poderá condicionar na avaliação e preparação da resposta», diz.
Questionada pelo Nascer do SOL esta semana, a DGS não fez um ponto de situação sobre a subida de casos de covid-19, que passam a ter um relatório semanal à sexta-feira, e a evolução da gripe. Na última reunião do Infarmed, foi apresentado pelo INSA um novo modelo de monitorização de vírus respiratórios, que passará a vigiar simultaneamente, com base em contributos de médicos, hospitais, laboratórios, não só influenza mas covid-19 e vírus sincial respiratório, alargando a vigilância da gripe que começou a ser feita no país em 1990 e conta desde 2008 com informação proveniente de uma rede sentinela de médicos. Ana Paula Rodrigues adianta ao Nascer do SOL que o novo sistema está a ser montado, estando previsto um projeto-piloto para o verão, sublinhando que este será um modelo para uma fase de maior estabilização da pandemia.