Esta semana, a Assembleia Municipal de Lisboa debateu uma recomendação para a alteração do nome da rua onde se situa a Embaixada da Federação da Rússia. De acordo com a proposta, o topónimo deixaria de ser Rua Visconde de Santarém e passaria a designar-se Rua da Ucrânia.
No momento em que se assiste à invasão da Ucrânia pela Rússia, com a generalizada condenação e sucessivas manifestações de rejeição a esta agressão, esta proposta da Iniciativa Liberal é cativante pela provocação que lhe está subjacente. Obrigar a Embaixada da Rússia a colocar na sua morada “Rua da Ucrânia, 57” seria, sem dúvida, provocador, mas estéril.
No atual ambiente de contestação ao regime russo, a primeira reação a esta iniciativa é de simpatia e de atenção mediática. A Iniciativa Liberal conseguiu essa atenção. Mas, bem vistas as coisas, a ideia pode ser confundida com oportunismo, foi certamente uma precipitação e, por isso, foi reprovada. Há outras formas igualmente imaginativas e mediaticamente atrativas para manifestar a solidariedade com povo da Ucrânia e a condenação da agressão russa.
A toponímia de Lisboa é parte da sua identidade e da relação das pessoas com os lugares. Muitas denominações remetem para pessoas, eventos ou características dos locais, contando a história desses sítios e identificando-os. A história e esta relação devem ser respeitadas para além dos momentos históricos e do seu contexto. A não alteração dos topónimos já existentes é, aliás – e bem – um princípio orientador do regulamento municipal.
A rua onde fica a Embaixada da Rússia tomou o topónimo de Visconde de Santarém (1791-1856) em 1905, um dos portugueses com maior projeção intelectual à época e que foi historiador dos descobrimentos, estudioso de cartografia e membro do Governo do Reino.
A história e evolução de Lisboa conta-se muito através da toponímia, com registos ancestrais que decorriam do costume, sendo a primeira oficialização de topónimos posterior ao terramoto. Apenas no século XIX, também por razões do funcionamento do serviço postal, as denominações começam a ser sistematizadas de modo a evitar dúvidas quanto a localizações, primeiro pelo Governo Civil (desde 1842) e depois assumindo a Câmara Municipal essa competência (a partir de 1876).
A toponímia de Lisboa herdou as designações ancestrais com algumas alterações ao longo do tempo, acrescentando denominações de personalidades, efemérides, países e cidades, entre outros. Embora tenha havido alterações ao longo do tempo, a maioria dos topónimos têm-se mantido. As mudanças mais numerosas ocorreram na sequência da implantação da República, com a substituição de referências monárquicas por republicanas. Neste contexto, um caso curioso é o da Avenida Dom Carlos I: primeiro com a denominação Rua Duque da Terceira, em 1889 passa a Rua Dom Carlos I, a partir de 1910 designa-se Avenida das Cortes, em 1918 muda para Avenida Presidente Wilson e em 1948 assume o atual nome.
Com a revolução do 25 de Abril de 1974 também se verificaram algumas alterações, mas em número inferior a 1910. Felizmente, a consciência da importância da preservação dos topónimos de Lisboa enquanto elementos da identidade, da memória e da história tem vindo a ganhar peso e atualmente tem estatuto regulamentar.
Quanto à Ucrânia, desde 2008 que tem uma avenida com o seu nome na freguesia de Marvila. A condenação da agressão russa é inequívoca. O apoio aos ucranianos faz-se através da manifestação de solidariedade e da ação na ajuda e no acolhimento em que Lisboa se tem empenhado.
Em alternativa à atribuição do nome da rua, um monumento ao povo ucraniano pode encontrar lugar nas imediações da Embaixada da Federação da Rússia. Assim haja vontade.