Voltou a chover no país mas é prematuro falar no fim da seca: no final do mês passado, revelou esta semana o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), todo o território estava em seca meteorológica, 60% em seca extrema. Se ter voltado a chover torna provável um desagravamento da situação, para reverter a seca é preciso chover mais do que o normal nesta primavera – e os primeiros 10 dias de março, com muito mais chuva do que fevereiro, mantiveram-se aquém disso.
O balanço é feito ao Nascer do SOL por Ricardo Deus, responsável pela divisão de Clima e Alterações Climáticas do IPMA, que começa por recordar que em fevereiro choveu apenas 10% do normal climatológico para o segundo mês do ano. «Em termos do ano hidrológico, com início em outubro de 2021, o défice de precipitação também é bastante expressivo, cerca de 40 % do valor normal, o que representa menos 348mm de precipitação em termos médios».
Passando à chuva dos últimos dias, que está para durar, até 10 de março registou-se uma média de 30 mm de precipitação, sendo o valor de referência normal para março 61mm, adianta Ricardo Deus. «Verifica-se que até esta data a precipitação registada corresponde a 50% do valor normal para o mês de março, no entanto com diferenças regionais no território, sendo que foi o litoral Norte e Centro que mais contribuiu para o total de precipitação dos primeiros 10 dias de março».
Com este padrão e tendo em contas as previsões, que têm maior incerteza a médio-longo prazo, para já são estas projeções do IPMA para o final de março: desagravamento da situação em parte do território, mas a seca extrema a prolongar-se a Sul, onde tem sido mais preocupante, com as barragens da Bravura e Monte da Rocha em níveis críticos e já com o uso para rega condicionado. «Será muito provável que ocorra um desagravamento da seca meteorológica em parte do território, com maior expressão nas regiões Norte e Centro, com diminuição das áreas nas classes de seca mais grave (severa e extrema). Em relação à região Sul o desagravamento será mais ligeiro, uma vez que mesmo ocorra um valor de precipitação normal para o mês de março não será ainda suficiente para desagravar a situação de seca nesta região», diz ao Nascer do SOL o responsável do IPMA.
Castelo de Bode sobecom ajuda do Cabril
O regresso da chuva tem ajudado a recuperar o nível da água nas barragens colocadas em alerta pela Agência Portuguesa do Ambiente, que esta semana continuou as rondas de reuniões sub-regionais de gestão das albufeiras no Centro e no Norte, mas ainda há muita água para recuperar até que se regresse aos níveis considerados normais.
Segundo o Nascer do SOL apurou, este fim de semana é esperado que Castelo de Bode possa atingir uma subida de um metro face ao valor mínimo registado a 12 de fevereiro, 106,12 metros de cota. Os dados do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH) mostram que a água não recuava tanto em Castelo de Bode desde 2001 e ficou muito perto do nível crítico definido pela Agência Portuguesa do Ambiente para que na barragem que abastece 3 milhões de pessoas em Lisboa esteja assegurada água para dois anos – uma cota mínima de 106 metros.
Esta quinta-feira, já depois da chuva dos primeiros dias da semana, a cota estava nos 106,98 metros e, ao que o Nascer do SOL apurou, as projeções feitas na APA, em colaboração com o IPMA, são de que poderá voltar este fim semana a passar os 107,12 metros. Mas não é só a chuva, a suspensão da produção de eletricidade e a redução do caudal ecológico que tem ajudado a consolidar a situação na barragem: segundo este jornal confirmou, transvases do Cabril, medida de contingência para situação de seca, têm ajudado a consolidar a subida da albufeira. Fonte ligada à gestão das albufeiras explica que a decisão foi tomada perante a atual previsão meteorológica, que permitiu planear o desvio de alguma água sem comprometer a situação do Cabril, onde a cota está com mais folga face aos níveis mínimos definidos (256 metros de cota, estando esta quinta-feira nos 261,42m).
Com otimismo mas a cautela a manter-se, continua a proibição de produção de eletricidade tanto em Castelo de Bode como no Cabril e, a Norte, nas barragens do Alto Lindoso/Touvedo, Alto Rabagão, Vilar/Tabuaço. Já esta semana, na reunião do Norte, a APA avançou com a suspensão da produção de eletricidade na barragem do Ermal, com a água da albufeira, decisão que o Ministério do Ambiente confirmou ao Nascer do SOL que «será acatada» e que este jornal sabe que já foi comunicada à EDP, agora com a produção elétrica parada em seis barragens.
Se não chover o suficiente para repor os níveis históricos, a proposta da APA, sabe o Nascer do SOL, é que a proibição se mantenha pelo menos até ao final do ano hidrológico, ou seja até ao início de outubro, mas a chuva de março trouxe melhores perspetivas, pelo menos a Norte, e a situação será reavaliada no início de abril.
Se a Norte a recuperação das barragens é mais notória, como mostram os dados do SNIRH analisados pelo Nascer do SOL, em Castelo de Bode a água terá de subir 10 metros para regressar a níveis normais, sendo que os caudais ecológicos, reduzidos a mínimos depois de ter sido acautelada a época de subida das enguias e lampreias, tornam-se também críticos no verão, onde é preciso também acautelar que há água disponível para o combate a fogos.
«Vem aí muita chuva, mas a recuperação das barragens é mais lenta do que aquilo que os nossos olhos veem», disse esta semana o ministro do Ambiente João Pedro Matos Fernandes, numa entrevista ao Expresso, questionado sobre se o Governo espera repor a produção hidroelétrica antes do outono. «As barragens estão a recuperar e a garantir o equilíbrio no sistema elétrico, designadamente no Alto Lindoso, no Touvedo, na Aguieira e, agora, no Cabril. Castelo de Bode já subiu 84 centímetros», disse, sem responder diretamente à questão.
Em Castelo de Bode, sabe o Nascer do SOL, a posição da APA é que só volte a ser dada luz verde para produzir energia quando se regressar a valores normais, que num ano sem seca nesta altura costumam rondar os 116 a 118 metros de cota. No início de fevereiro, a torneira foi fechada já muito em cima do limite mínimo definido para albufeira, os 106 metros, correspondentes a 56% de capacidade.