Por Alexandre Faria, escritor, advogado e presidente do Estoril Praia
A Ucrânia atravessou o Dia Internacional da Mulher em plena guerra, num conflito com repercussões que extravasam a sua história e os seus limites geográficos, interrompendo um processo de afirmação nacional após o desmantelamento da União Soviética. Ou talvez não. Porque as mulheres ucranianas estão a dar uma valente lição ao mundo. Dividem-se entre o combate nas ruas e a opção de salvar vidas, as que lhe são próximas, as vidas dos seus concidadãos e dos seus descendentes ucranianos.
Estas mães de guerra que deixaram de ser ilhas para se tornarem num continente, mães coragem de uma fibra que envergonha o acomodado velho ocidente, demonstram, dia após dia e sem nacionalismos exacerbados, que são um país e que não querem voltar ao passado. Esta guerra incompreensível para muitos europeus tem a sua imagem estampada em cada fotografia, o brio feito mulher a rasgar as entranhas, numa identidade nacional no feminino como nunca se viu, desafiando de olhos bem abertos a desproporcionalidade dos arsenais militares.
Em pleno século XXI revelam sem piedade que é possível lutar por uma crença, por uma causa, por um país. Ficam alheias à infelicidade de certas reportagens de guerra emitidas por forasteiros. Não precisam de aprender como se faz um cocktail molotov em horário nobre num serviço público de televisão. Não estão numa guerra dos Estados Unidos da América encenada para os jornalistas, com locais escolhidos a dedo para as melhores imagens. Não ligam à insana ortodoxia de certos partidos, reféns das suas teias ideológicas. Pouco ou nada interessa. Elas já sentiram na pele o autoritarismo que lhes querem novamente impor.
Estas mulheres não debatem os temas da paridade ou da igualdade de oportunidades. Quando podem, permanecem, lado a lado e em equidade, com os seus amigos, familiares, namorados ou maridos, com as mesmas armas, na defesa nacional intransigente, na comovente convicção e defesa da legalidade, dos conceitos de nacionalidade e de povo, como verdadeiras cidadãs que formam um Estado pelo qual vale a pena dar a vida, inseridas no processo de legítima afirmação que iniciaram em 1991 e em respeito pelas regras do direito internacional.
Clamam, por estes motivos, pela justiça europeia que tarda, sabendo bem que a leste não terão tréguas, entregando os seus filhos a comboios para destinos incertos, apenas acompanhados pelo coração de mãe, o único salvo-conduto de origem capaz de garantir algum sucesso. Não se consideram vítimas e algumas serão momentaneamente refugiadas, na terra prometida de um refúgio europeu que procura responder pela solidariedade, comovido pela tenacidade que observa.
Elas são o rosto desta guerra, casa a casa, mulher a mulher, onde a impotência na proteção suprema dos filhos é substituída por uma revolta de dor contra o invasor, reagindo com a elevação de um soco no estômago numa Europa que se dedica apenas às palavras. Da nossa parte, mais do que nunca, não podemos falhar, sob pena de perdermos os resquícios de humanismo que ainda nos sobram.