Entrevista a Jorge Silva Melo. “Não se pode dizer em público, mas eu preferia Berlim com o Muro”

Entrevista a Jorge Silva Melo, que morreu esta segunda-feira, sobre o filme “Ainda Não Acabámos”, de 2015,  publicada originalmente na edição do jornal i em fevereiro de 2016.

“Ainda Não Acabámos” é uma carta para as pessoas que têm o futuro à frente, mas é também um apelo à memória. A uma memória que nos permita dar um sentido diferente aos dias de hoje. Como defendia Walter Benjamin, um futuro que resgate as ruínas dos nossos passados.

O teu filme é um pouco um percurso, uma espécie de educação sentimental?

(Risos) Ficou mais sentimental do que devia. A ideia não foi minha, foi da Joana Cunha Ferreira, que me disse: “Já fizeste tantos retratos de artistas, porque não fazes um de ti próprio?” Eu achei que era uma boa ideia. Depois fiquei horrorizado, pois já sabia tudo. Enquanto sobre, por exemplo, o Nikias Skapinakis, eu tinha o prazer de descobrir coisas novas, sobre mim eu já sabia, naturalmente, tudo. Porque não fiz análise, tive de ser o analista de mim próprio, o que é uma chatice. Tive várias vezes de parar por estar enjoado de mim próprio. A ideia original era quase não ser visto. No fundo, eu não aparecia e a minha autobiografia é aquilo que eu vejo. Eu sou aquilo que vejo, aquilo que oiço, aquilo que me disseram e que eu cumpri ou não cumpri.

Só a meio é que percebi que tinha de ser também uma carta. Depois de ter filmado o José Medeiros Ferreira. A minha primeira missão política foi distribuir a carta dele pela universidade [”Carta aberta ao povo português”, que José Medeiros Ferreira escreveu em julho de 1968 sobre as razões que o levavam a desertar do exército colonial] e ainda o filmei aí, um ano antes de ele morrer. Quando eu reparei que a carta era de julho de 68, eu estava em julho também, e pensei: se calhar é uma boa ideia fazer isto como uma carta para um jovem, uma espécie de testamento.

Antes de chegares no filme à crise de 1962, passam as imagens de um filme do Paulo Rocha com um casal na Cidade Universitária. Aquilo era mesmo assim cinzento, com um ar de sopeira e magala?

Era a ficção possível em Lisboa quando eu tinha 14 anos, tirando este bairro [Amoreiras] por causa dos judeus que aqui moravam, o senhor Pfluger que foi uma pessoa muito importante, já vai ver porquê, dava lições de alemão, a mulher dele, Lotte, era prima da Ethel Greenglass Rosenberg [judia comunista condenada à morte e executada na cadeira elétrica, com o marido, por alegada espionagem soviética], viviam aqui também os pais da mulher do Lúcio Lara. Aqui vivíamos uma espécie de conspiração judaico-marxista em pleno fascismo. Era um bairro cosmopolita e também era o bairro das explicações. As senhoras ensinavam alemão, francês, piano, etc.

O início do filme é uma imagem de Lisboa dos anos 50, e depois passa para a visita oficial da rainha britânica a Lisboa. Que imagem tinha a cidade para si?

Eu não via os pobres, para mim foi uma surpresa perceber anos depois que havia pobres. A primeira imagem que me lembro distintamente é ver na Avenida Liberdade um ambiente festivo para receber a rainha, com os meus pais, que não eram ricos e que viviam mais ou menos bem, mas que estavam isolados do resto da população.

Mas essa descoberta dos pobres é contemporânea da descoberta de que vivíamos em ditadura?

O meu pai era republicano daqueles antifrades, antijesuítas, anti-Salazar, e essa coisa eu ouvia, os louvores da República e a António José de Almeida. Mas tive a consciência perfeita de que vivia em ditadura quando nos Maristas, onde eu andava, eu tive uma redação censurada por ter feito um elogio ao Lumumba [dirigente revolucionário congolês que chegou a ser primeiro-ministro, assassinado com a participação de oficiais belgas]. Eu pensei que ele era um mártir como os do cristianismo, misturei as histórias todas e levei três dias de suspensão. Nesse mesmo dia fui ver ao cinema o “Quo Vadis”. Eu achei extraordinário. Para mim, que era miúdo, aquilo ligava-se à história antiga, um pouco como eu faço no teatro. Agora mataram um homem porque queria a liberdade, como faziam aos cristãos, como me diziam na escola, e levei uma suspensão.

Nessa altura já queria ser bispo e realizador?

Bispo foi antes. Na minha infância em Silva Porto, em Angola, o nosso vizinho engraçado, com quem o meu pai tinha enormes conversas, era o bispo de Silva Porto.
O meu pai, que era ateu republicano, ia discutir com o bispo. Eu, com três ou quatro anos, adorava aquelas discussões entre o cientista e o religioso. Eu uma vez fui ver uma missa – na família não íamos – e achei aquilo tão bonito, tanta gente, tanta festa, e fiquei atraído por aquele lado imponente e festivo. E como o senhor gostava muito de cães e era muito simpático, eu declarei que queria ser bispo.

E realizador tem a ver com a descoberta do cinema?

A grande descoberta de que o mundo existe e que os valores são maiores que os que nos ensinavam, e que há mundo, mundo, mundo, foi o cinema, desde muito cedo. Os filmes eram para seis, 12 anos e 16 anos. E eu comecei a ver os filmes de 12 anos aos nove. Às vezes não me deixavam entrar, mas era uma conquista.

E lembra-se ainda do primeiro filme que viu?

O primeiro filme que eu vi foi ainda em Silva Porto, tinha quatro anos, nunca mais o voltei a ver, mas não me esqueci dele, era “A Zaragateira”, de Luigi Zampa, com a Anna Magnani. Foi nesse filme que eu perguntei ao meu pai: quem é que faz estas coisas? Ele disse-me que era um realizador e eu decidi que já não queria ser bispo, preferia ser realizador. Nunca mais vi o filme, está no YouTube e tudo, mas deve ser medo de não gostar tanto. Deve ser muito engraçado, porque o Zampa era um realizador curioso: aquilo é a história de uma popular vendedora de legumes que vai a deputada, até a história interessa atualmente (risos). Seria bem bom que isso acontecesse. Em italiano, o título do filme era “L’onorevole Angelina”, que se chamava em português “A Zaragateira”. Os populares, em Portugal, só podiam ser zaragateiros.

O cinema tinha nessa época a força para as pessoas que podemos ver num filme adocicado como “Cinema Paraíso”?

Sim. Era uma descoberta. Eu frequentei todos os cinemas possíveis e imaginários: o São Jorge, o Tivoli e todos os cinemas mais rascas possível, em que descobria os filmes antigos. Com oito, nove anos queria ver os filmes de que me tinham falado. O Clark Gable estava a morrer, eu queria ver os seus filmes, em cinemas piolho do mais longe possível. Aprendi a geografia de Lisboa pelos cinemas: sabia que havia um no Beato, em Alcântara. O meu pai comprava todos os dias o “Diário de Notícias” e o “Diário de Lisboa” e via as páginas de cinemas com muita atenção, e muito cedo comecei a organizar eu próprio as idas ao cinema dos meus pais: este filme parece que é bom, dizia eu. E eles lá acreditavam e íamos ao domingo ver os filmes. Enganei-me uma vez, eles não gostaram nada do “Quanto Mais Quente Melhor” [filme com Tony Curtis, Jack Lemmon e Marilyn Monroe] , não acharam graça nenhuma e acharam aquilo uma palhaçada. O meu pai preferia dramas em que a atriz era presa e sofria imenso, isso é que ele gostava.

E essas descobertas reforçam-se com a entrada na universidade?

Chego a Letras vindo de dois anos extraordinários no Liceu Camões. No meu sexto e sétimo anos tive como professores o Mário Dionísio, o João Bénard da Costa, o Fernando Belo, que nessa altura ainda era padre e deixou de ser: era fantástico, entre o meu sexto e sétimo ano tive um professor que estava em dúvida. O Fernando Belo era professor de Religião e Moral e daquela coisa horrível chamada OPAN (Organização Política e Administrativa da Nação), e ainda era padre no sexto e deixou de ser padre quando eu estava no sétimo. Ele não nos contava as suas dúvidas, mas era engraçado ter um professor que está em mudança.

Esse tipo de ensino era o que hoje seria o de elite. Eram os liceus que preparavam as classes dirigentes para o ingresso nas faculdades…

Repara, os meus colegas de turma eram o João Lobo Antunes, o António Reis, ex–padre e maçom. Esses eram os da minha turma. Da turma abaixo de mim eram o Luís Miguel Cintra, o António Guterres, o António Rendas. Da turma ao lado eram o José Mariano Gago e o José Manuel Soares Ribeiro. O reitor, que era um homem convictamente de direita, queria, e conseguiu, era ter uma escola de elite, uma instituição que formasse quadros e inteligência. Defendia com unhas e dentes professores de esquerda desde que fossem excelentes. O Bénard da Costa, que foi proibido de ensinar, entre o meu sexto e sétimo ano, o reitor Sérvulo Correia matou-se para que ele pudesse continuar. Quando ele foi substituído por um outro, o reitor nunca disse um bom-dia sequer a esse substituto. Era um homem de uma grande integridade da defesa da sua escola. E tinha a consciência que estava a formar uma elite. É engraçado que o Pedro Nunes, que era o outro liceu elitista, formava sobretudo para direito e economia, a política pura e dura. E o Camões formava para as humanidades em geral – direito também, Miguel Lobo Antunes e António Lobo Antunes vão para cursos nobres, mas com uma grande abertura para as humanidades. O reitor, pai do advogado Sérvulo Correia, defendia imenso professores como o Mário Dionísio, com quem tinha uma excelente relação de admiração, e o Virgílio Ferreira, que não chegou a ser meu professor. O reitor defendia os professores de esquerda e, regra geral, não tinha a mesma consideração pelos de direita, que eram mais apagados.

E quando se dá a crise de 62 está na universidade ou ainda no liceu?

Estou no liceu. Eu só chego à universidade em pleno refluxo das movimentações estudantis, em 1965. Oiço falar da crise de 62, era um mito absoluto em minha casa. A minha irmã já tinha saído da universidade no ano anterior, não coincidiu com os revoltosos, mas começo a aprender nomes como Medeiros Ferreira, Jorge Sampaio, Maria Emília Brederode dos Santos. Sobretudo fascinava-me a história de amor entre Medeiros Ferreira e Maria Emília Brederode dos Santos: a Maria Emília foi ter com o Zé e ele pediu asilo político. Era um mito para nós. Mas quando eu chego à universidade, em 1965, estão presos todos os nossos maiores: o Luís Salgado Matos, Fernando Rosas, todos estes estão presos. Em grandes cisões entre os PC, os católicos e….

Os maoistas?

Ainda não são os maoistas, são a esquerda heterodoxa que vai, em parte, desembarcar no maoismo…Estás tu em Argel a nascer, para aí?

Não, eu nasci em Praga, só depois fui para Argel.

Argel é o correspondente ao argelismo [várias tendências digladiando-se] da esquerda portuguesa, para se perceber a situação. Em Portugal está quase tudo preso, só não estão algumas raparigas. Eu dou-me com a Maria José Caeiro, neta da Maria Lamas, ela herdeira de 62, que não estava presa.

No liceu já se sentia uma politização?

Sim, sentia-se já uma politização, sobretudo entre os católicos. Eu à JEC quase não pertenci, sobretudo através da Capela do Rato. A minha irmã também frequentou a Casa dos Estudantes do Império, que hoje parece ter um nome horrível se meditarmos nas palavras, mas foi o berço de muitas gerações de estudantes contestatários vindos da colónias. O meu primeiro artigo censurado na imprensa foi num concurso organizado pelo Mário Castrim. No ano em que eu concorri, na poesia ganhou o Mariano Gago, no conto, o José Pacheco Pereira, e no ensaio ganhei eu. Mas eu escrevi um ensaio sobre “Poesia africana de expressão portuguesa”, cujo título foi censurado. Mas tive o prémio e fui para Paris com esse dinheiro, sete contos na altura.

Quando vai para Paris, o que faz?

Cinema, cinema. Vi 154 filmes num mês. Não é mau. Bem estudados os trajetos de metropolitano e só comia na cantina. Mas ainda tenho um amigo dinamarquês que partilhava o quarto comigo nessa altura. E também ia para os cinemas.

É quando regressa que começa o seu contacto com o teatro?

O teatro começa na universidade porque na Faculdade de Letras não havia associação, estava proibida. A única forma de estar junto com outras pessoas era o grupo de teatro. Era um grupo um bocadinho sui generis. A maior parte dos grupos eram constituídos associativamente, tinham direção, nós não éramos nada, éramos um grupo de vagabundos mais ou menos apoiados pelos professores de esquerda que tinham apoiado 62, que nos protegiam. Mas nós fazíamos o que queríamos, não tínhamos nenhuns quadros das organizações teatrais. Enquanto na maior parte dos grupos teatrais académicos havia um encenador de fora, normalmente um ator de esquerda impossibilitado de trabalhar noutros lados, nós não tínhamos sequer encenador. Nós fomos contra isto, e foi o Luís Miguel [Cintra] que dirigiu o seu primeiro espetáculo: nós não precisamos de mestres.

Não era uma certa arrogância da juventude?

Era, mas não queremos o teatro que existe, não queremos fazer parte da instituição. Somos capazes de fazer por nós próprios. Eu até cosi fatos, coisa que nunca mais fiz na vida.

Qual é o seu primeiro espetáculo de teatro?

O primeiro ainda é na Faculdade de Letras, dirigido por uma mulher não muito talentosa, mas muito culta, chamada Carmen González, tradutora dos surrealistas. Uma mulher curiosa que dirigiu “O Avejão”, do Raul Brandão, que estreou 15 dias depois de eu sair da cadeia de Caxias, ainda completamente careca da prisão.

Tinham-lhe rapado o cabelo?

Claro que nos rapavam o cabelo na prisão, como forma de humilhação.

É assim que conhece Jacques Tati?

Eu fui preso no dia 21 de Fevereiro de 68, dia internacional de luta pelo Vietname. Era um dia em que o Américo Tomás regressava de uma visita às colónias, as manifestações tinham aqui um duplo sentido evidente. Fui preso e estive três semanas. No dia em que saí, chego a casa e leio no “Diário de Notícias” que chegava o Jacques Tati a Lisboa e havia um beberete na embaixada de França. Se não tivesse sido preso, não teria lata. Mas precipitei-me para o beberete. Deixaram-me entrar, devem ter achado que eu era um chique qualquer. Estavam o António Lopes Ribeiro, a Amália Rodrigues, toda a elite cultural do regime, e o Tati é que olhou para mim. Achou esquisito haver um gajo novo com o cabelo rapado em 1968. Veio ter comigo e eu pedi-lhe uma entrevista. Eu expliquei-lhe que tinha sido preso e ele disse que então só me daria uma entrevista a mim. Foi de uma enorme generosidade. No dia da estreia do “Playtime”, havia aqueles números que ele fazia, e dedicou-os “a um amigo que estava com problemas”, era eu. Ainda me quis dar a filha para casar. E eu, feito parvo, não aceitei. Ele dizia: “Ela quer ser montadora de cinema, tu queres ser realizador, é o casamento perfeito.” Era um encanto de generosidade e de negrume. Fui preso em Caxias saí para casa, tomei um banho e na manhã seguinte estava a tomar um pequeno-almoço no Ritz com o Tati. Isto tudo graças à PIDE. Sem a PIDE, nada disto tinha sido possível (risos), eu não teria tido a lata de ir à embaixada.

A certa altura regressa ao estrangeiro, creio que em 1969? Apanha em Portugal os acontecimentos de 68 em Paris. Como é que isso foi visto aqui?

É verdade, vou para Londres, logo depois das greves de 1969. Ainda estou em Lisboa nessa altura. O maio de 68 foi visto aqui de uma forma muito estranha. Eu estava no Liceu Francês a ver “Helena e os Homens”, do Renoir, quando soubemos o que se estava a passar, e vim para o carro do meu professor de Francês ouvir na rádio. Sabíamos muito mal. As informações eram todas cortadas, mesmos os jornais que chegavam cá, ao Café Monte Carlo, eram cortados. Sabíamos do que estava a suceder sobretudo por franceses e pelos jornais e revistas que eles recebiam diretamente, como a “Paris Match”.

Como vai para Londres?

Vou para Londres em fins de 1969. A minha vontade era ir para Paris, mas as escolas lá ainda estavam em convulsão, e achei que não me iam dar uma bolsa para ir para Paris. Ninguém me ia dar uma bolsa para aquela corja de revolucionários idiotas já transformados em maoistas. A Gulbenkian iria dar-me isso apenas para Londres.

Segundo a descrição que faz dessa medida conservadora, ela era apenas aparente. Diz que passou por Londres com toda a gente permanentemente charrada, sendo quase o único devidamente sóbrio (risos).

Muito pior, estavam todos charrados, todos milionários, e a escola para a qual eu ia estava em processo de desagregação porque o British Film Institute tinha vontade de criar uma escola e tinha roubado todos os bons professores da minha escola privada. Foi uma catástrofe. Foi aí que comecei a ir muito ao teatro.

Quem eram os seus colegas na escola em Londres?

O Pritzker que dá o nome aos prémios de arquitetura, o Eric, um canadiano que era o grande amigo de juventude do Cronenberg, o cineasta com quem dormi. Eram os colegas com quem me dei mais.

Era uma escola de milionários?

Era uma escola privada com muitos ricos e americanos que queriam estudar cinema. Havia apenas um britânico, que foi diretor de fotografia de filmes revolucionários e morreu muito novo, como é típico: filho de milionários britânicos, passa à extrema-esquerda. Ainda o encontrei cá nas manifestações do “República” .

Essa é uma época de grande experimentação?

Mas também de um pós-marxismo do teatro que me marcou muito, como o William Gaskill. O teatro servia para nos aclarar e mostrar a história. Assim como o cinema dos Taviani.

Era uma espécie de passagem para o teatro da ideia de rutura epistemológica nas ciências: aquilo que podia ser visto pelos sentidos todos os dias era explicado através de uma rutura que passava o conhecimento sensível para o inteligível?

Exatamente. Era um pouco althusseriano, Althusser escreveu vários textos sobre teatro. Eu não andava a fumar charros porque queria ser intelectual. Vi os Pink Floyd. Ver os Pink Floyd sem droga foi uma experiência única. Devo ter sido o único humano que fez isso. A minha ideia em Londres foi aproveitar para trazer o máximo de conhecimentos para cá. Para colmatar aquilo que eu achava que aqui estava muito atrasado.

Mas no filme escolhe falar de Roma em vez de Londres e Paris, onde efetivamente esteve mais tempo.

Talvez porque eu gostaria mesmo é de ter estado em Roma. Foi uma escolha. Eu fui muitas vezes a Roma. Nunca lá fiquei a trabalhar, mas é a cidade que eu desejo mais.

Não gosta de Berlim?

Não se pode dizer em voz alta, mas adorava com o Muro. Vivi lá dois anos com o Muro, mas não sei se agora gosto. A parte ocidental é demasiado opulenta para o meu gosto. Eu ainda vivi em Kreuzberg [bairro alternativo da parte ocidental].

Nessa altura foi à parte leste?

Muitas vezes. O Heiner Müller, de quem eu era muito amigo, vivia na parte leste da cidade. Gosto muito da parte leste, ainda agora. Em Berlim nota-se toda a história do século xvii até agora. Se fizer um zapping pelos prédios, eles contam a história. É diferente com as pessoas, Berlim como Nova Iorque são cidades de estrangeiros.

Onde estava no 25 de Abril?

Estava a ver a “Traviata” em Lisboa com o Manuel Gusmão. Só demos pela revolução às seis da manhã do dia seguinte. Foi muito esquisito estar a fazer teatro nesses anos, é estar longe de tudo. Estar a ensaiar e, por isso, não conseguir fazer parte da revolução nem participar em reuniões. Era como se estivéssemos fechados numa sala enquanto tudo acontecia.

nuno.almeida@ionline.pt