O nazismo e o comunismo produziram as grandes catástrofes humanas do século XX.
Mas enquanto o nazismo se condenou a si próprio pela loucura expansionista de Hitler e foi vencido em 1945, o comunismo resistiu e durou quase mais meio século, até rebentar por dentro em 1991.
O Partido Comunista Português, porém, não acompanhou essa implosão.
Pôs-se de lado.
Sendo o partido comunista do Ocidente mais fiel à velha URSS, ignorou Gorbatchov e não seguiu a Perestroika.
Manteve-se agarrado aos velhos dogmas.
Continuou a agir como se a União Soviética não se tivesse desmembrado e o Muro de Berlim não tivesse caído.
E com esta atitude condenou-se historicamente, mas evitou um colapso imediato — como aconteceria com o Partido Comunista italiano, o espanhol ou o francês, que tentaram ‘europeizar-se’ e em pouco tempo desapareceram.
O PCP resistiu, à espera de um milagre. E esse milagre surgiria mesmo, incarnado por Vladimir Putin.
Quando Putin lamentou o fim da União Soviética, propondo-se vingar o orgulho ferido do país e resgatar o seu antigo poderio, o PCP rejubilou.
Viu nele o possível herdeiro dos grandes líderes comunistas, Lenine e Estaline.
Nesta medida, não foi difícil ao PCP ignorar tudo o que desafiava a moral e o direito, tal como no passado fechara os olhos aos crimes do estalinismo.
Ignorou as grotescas manobras de Putin para se eternizar no poder.
Ignorou as fabulosas fortunas feitas à sua sombra, em contraste com a pobreza reinante no país (o discurso das ‘desigualdades’ só valia para o Ocidente).
Ignorou os chocantes atentados contra os seus adversários políticos no estrangeiro e o desaparecimento sucessivo de jornalistas críticos do regime.
Ignorou as agressões militares brutais a povos vizinhos, como os chechenos.
Ignorou todos os sinais dados por um homem que revelava ausência de limites morais, sendo capaz de tudo para atingir os fins que se propunha.
Quando há uns anos a União Europeia declarou que comunismo e nazismo eram duas faces da mesma moeda, o PCP escandalizou-se.
Que não, que não eram.
Recordou «a superioridade moral dos comunistas», afirmada por Álvaro Cunhal.
Mas Putin veio provar que sim, reunindo o pior dos dois.
Revelando a frieza de Estaline e a voragem expansionista de Hitler, usou os argumentos deste para ocupar países vizinhos.
E o Partido Comunista Português apoiou, porque se tratava de reconstituir o império soviético.
E agora apoia a invasão da Ucrânia, embora diga o contrário.
Cinicamente, os comunistas declaram que condenam a invasão – mas logo acrescentam que também condenam a atitude dos Estados Unidos e da União Europeia.
E – hipocrisia das hipocrisias – criticam a resistência ucraniana, com o argumento de que «vai provocar muitos mortos inúteis».
Mas não foi a Rússia que invadiu a Ucrânia?
Não são as tropas russas que estão a provocar uma imensa devastação na Ucrânia?
Perante isto, os ucranianos deveriam fazer o quê?
Estender a passadeira vermelha ao Exército russo e entregar-lhe o poder?
Como pode o PCP, cujos militantes integraram em grande número a resistência ao poderoso Exército alemão na última Grande Guerra, defender semelhante ideia?
Para não provocar ‘mortos inúteis’, deveriam também os aliados ter capitulado à primeira vaga da invasão hitleriana?
Repito: como pode o PCP, com a sua história, dizer uma coisa destas?
Não é evidente que, para obrigar Putin a negociar, o Governo e o povo ucraniano tinham de resistir?
Isso, aliás, já está à vista: Putin, que começou por dizer que a Ucrânia nem tinha razão de existir e era governada por um bando de nazis drogados, não só já reconhece o país como admite reunir-se com o chefe desse ‘bando’.
Dia após dia, perante as grandes baixas no Exército russo e a perda de muito material bélico, Putin vai sendo forçado a recuar.
Se não resistisse, a Ucrânia teria pura e simplesmente sido anexada, como foi a Crimeia, ou tornar-se-ia uma segunda Bielorrússia, com um poder fantoche em Kiev.
A Ucrânia só pode continuar a existir como país independente porque resistiu.
É difícil perceber isto?
Mas se o PCP nunca o perceberá, a invasão da Ucrânia representou simbolicamente o fim definitivo da ilusão comunista.
A invasão da Checoslováquia, em 1968, já tinha significado isso para muitos comunistas.
O meu pai foi um deles: nesse dia, quando soube da invasão de Praga pelos tanques soviéticos, vi pela primeira vez lágrimas nos seus olhos.
Ora, para a maioria daqueles que ainda hoje acreditavam de algum modo na doutrina comunista, a invasão da Ucrânia significou a segunda morte do comunismo.
Foi o fim de todas as esperanças.
Perceberam que a Rússia se tornou o instrumento de poder pessoal de um homem sem ideologia, apostado apenas no aumento da sua força através da expansão do seu império.