Querida avó,
Nunca pensei dizer-te isto, mas que saudades de notícias sobre a pandemia. Ao fim de dois anos tão complicados, quando finalmente achávamos que íamos começar a viver os loucos anos 20, do século XXI, somos inundados com tristes notícias de guerra.
Veremos no que isto vai dar para o resto do Mundo.
Que tristeza ver tantas famílias separadas, tantas mortes, tudo destruído…
Em vez dos Homens se juntarem, para tentar salvar o Planeta, existem loucos que estão empenhados em acabar com tudo de uma vez por todas.
Que deprimente!
Bem, falando de coisas mais animadas, hoje celebra-se o Dia do Pai.
Em algumas terras celebra-se São José, o pai de coração de Jesus Cristo. («Jesus Cristo vem cá abaixo ver isto»).
Hoje é dia dos restaurantes esgotarem, das crianças oferecerem aos pais coisas que fizeram na escola, e dos mais velhos oferecerem outras coisas que compram nas lojas, tudo isto para demonstrar o amor entre pais e filhos.
Mas será que grande parte das famílias sabe a origem desta data?
Para começar, tal como outras celebrações, esta não se comemora em todos os países no mesmo dia.
A ideia de comemorar o Dia do Pai surgiu nos Estados Unidos, no ano de 1909, quando Sonora Louise Smart Dood, filha de um veterano da Guerra Civil Americana, resolveu homenagear o seu pai, que cuidou dos 6 filhos após a morte da esposa. Corajoso!
Aos poucos a data começou a ser celebrada um pouco por todo o lado.
Tal como noutras datas, o princípio que dá origem à celebração é bonito, mas toda a vertente comercial estraga tudo!
Com isto tudo não te falei do meu progenitor.
Que importância teve o teu pai na tua vida?
Tu, que apesar de teres saído de casa com apenas 15 dias, deves ter muito para partilhar sobre o teu pai, que viveu longos anos, foi empresário e um avô que os netos gostavam muito.
E o papel do Mário Castrim como pai? Conta-me tudo.
Amanhã é dia do teu aniversário.
Que excitação!
Bjs
Querido neto,
Recordo-me da Guerra da Coreia e do Vietname. Depois tivemos a nossa guerra Colonial – mas isso era diferente. A ditadura queria fazer-nos crer que não havia guerra nenhuma e lembro-me que os caixões chegavam de noite para que ninguém os visse.
Mas falemos de outra coisa.
O meu pai sempre fez tudo o que a minha mãe mandava.
Quando eu cheguei de Paris para ir viver com o Mário, ele mandou-me ir a casa deles para lhes dizer. Eu disse que não, mas pronto, lá fui. Dei-lhes a notícia. À minha mãe entrou-lhe por um ouvido e saiu-lhe por outro. O meu pai olhou para mim e só disse «mas que raio é que ele terá visto em ti!!».
E aqui faz-se uma pausa muito grande.
Porque entretanto nasceram os meus filhos e, de repente, eles transformaram-se nos melhores avôs do mundo. Quando nós tínhamos de sair, os miúdos ficavam em casa deles, o meu pai lia-lhes histórias, era outra pessoa.
Na empresa de álcool que dirigia – e que agora é o meu filho que dirige – ainda hoje toda a gente fala dele. E tinha uma genica extraordinária. Todas as manhãs enfiava-se no comboio, em Lisboa e ia à fábrica, em Torres Novas, e voltava no comboio da noite. E isto todos os dias até morrer, já com mais de 90 anos. (De resto, uma vez foi ao médico. O dele não estava e foi a outro. Mostrou análises, essas coisas, e o médico disse, «o senhor está muito bem, mas eu acho que devia fazer uma dietazita porque agora está bem mas, se calhar quando chegar aos 70, é preciso ter cuidado!». E ele: «Sr. Doutor, eu tenho 85…». E claro que nunca fez dieta.
O Mário foi um grande pai. Vivia no medo de não ver crescer os filhos (ele tinha mais 23 anos do que eu…), e dizia constantemente «eu só queria vê-los com 10 anos, porque assim já se lembram de mim!». Viu os filhos, viu os netos – e, curiosamente, dava-se muito bem com o meu pai, ele comunista e o meu pai o mais de direita possível.
E pronto, é tudo.
Bjs