Recentemente, voltou a ser discutida a questão das restrições à circulação automóvel na Baixa, na sequência da intenção manifestada pela Câmara Municipal de Lisboa através do projeto “Zona de Emissões Reduzidas Avenida-Baixa-Chiado” apresentada no início de 2020 mas cuja implementação foi adiada devido à pandemia de covid-19.
A ZER Avenida-Baixa-Chiado foi apresentada com o objetivo de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, mas a sua divulgação motivou críticas e contestação por parte da população, dos comerciantes e de autarcas locais, pela ausência de diálogo prévio e pela ausência de estudos ou de medidas mitigadoras dos impactos das restrições e condicionamento da circulação e acessos.
As alterações climáticas e as suas consequências para o planeta são incontestáveis e também está demonstrado que os efeitos destas alterações em Lisboa serão severos.
As cidades são geradoras, direta ou indiretamente, de uma parte significativa das emissões de gases com efeito de estufa com os transportes a representarem uma parcela muito relevante destas emissões. Em Lisboa, os transportes representam cerca de 46% das emissões. A poluição gerada pelos automóveis tem também fortes implicações na saúde humana e Lisboa regista excesso de poluição do ar em vários componentes.
Em Lisboa, entram diariamente cerca de 370.000 automóveis que se somam aos já existentes na cidade. Lisboa tem demasiados automóveis, demasiada poluição do ar e sonora causada pela circulação automóvel e demasiado espaço público ocupado.
Portugal assumiu acordos internacionais para a diminuição das emissões de gases com efeito de estufa e, neste contexto, o desempenho ambiental das cidades tem um papel determinante. A cidade de Lisboa assumiu também compromissos para a diminuição das emissões de GEE e estabeleceu metas calendarizadas muito exigentes.
A emergência climática obriga a agir com mudanças exigentes e adaptação de comportamentos coletivos e individuais. Mas a exigência das metas a alcançar não tem de ser sinónimo de radicalismo na ação, nem de violentação das pessoas.
Nos últimos anos, a política de mobilidade foi concretizada de forma agressiva, sem diálogo e envolvimento das pessoas, ignorando as suas necessidades e sem cuidar de criar alternativas. O resultado foi gerar descontentamento e repulsa e colocando as pessoas, umas contra as outras. A mudança na mobilidade, tornando-a ambientalmente sustentável, é necessária. Mas estas mudanças têm de ser construídas com as pessoas e não contra elas. O sucesso das alterações a empreender depende da conquista das pessoas para esta causa.
A ZER da Baixa, tal como foi proposta e, sobretudo, como foi apresentada, não serve as pessoas porque não as respeita: foi desenhada de forma impositiva, sem diálogo, ignorou as necessidades das pessoas e não previu ou acautelou os impactos.
A Baixa de Lisboa é o coração da cidade. Tem de ser saudável. Mas este coração tem de bater, tem de ter vida e tem de ter pessoas. A Baixa tem de ter habitação, comércio, serviços e turismo e tem de conciliar todas as necessidades e interesses.
A Baixa e a cidade têm de ter menos carros, menos poluição, mais espaço público para usufruir e melhor qualidade do ar. As mudanças são inevitáveis, mas a mobilidade tem de estar ao serviço das pessoas e não contra elas.
O rumo para a mobilidade sustentável nas cidades é obrigatório e urgente, mas a mudança tem de ser operada sem radicalismos e, sobretudo, com as pessoas. Está em causa o nosso futuro coletivo. Lisboa deve ser (bom) exemplo.