Por Luís Mira Amaral, Engenheiro Eletrotécnico (IST) e Economista (MSC NOVASBE) e José Allen Lima, Engenheiro Eletrotécnico (IST) e PADE (AESE)
Já conhecíamos bem a variabilidade anual da produção hidroelétrica no nosso sistema elétrico, que no presente prolongamento de estiagem mostrou só por si a necessidade de se dispor de apoio térmico.
À hídrica, muito fiel e controlável na produção hora a hora, acrescentaram-se as eólicas e fotovoltaicas, mais estáveis em energia produzida anualmente, mas muito mais variáveis a cada momento. Pensar que o sistema português pode viver apenas com hídrica e estas renováveis intermitentes, que produzem ao ritmo da natureza e não do consumo, é pura ilusão. Há dois problemas principais a resolver:
• O de backup para quando não há vento nem sol (e reduzidas afluências ao sistema hídrico), onde sobressai o apoio térmico por centrais a carvão ou gás natural (descarbonizadas no futuro).
• A criação de energias sobrantes em alturas em que ocorre o contrário, ou seja, há excesso de produção renovável não controlável. Para reduzir o seu corte, as hídricas de albufeira fazem valer a sua capacidade natural de armazenagem, efetuando os dois papéis, e mais ainda as que são reversíveis – equipadas com bombagem.
O impacto económico do elevado crescimento em renováveis intermitentes não foi bem percecionado pelos governos nacionais, pois para além de se ter iniciado numa fase desfavorável da curva de aprendizagem (entrámos quando a tecnologia estava imatura e muito cara, não tendo esperado pela evolução tecnológica que diminuiu de forma significativa os custos), não foi tida em conta a existência de muita potência também já contratada a longo prazo (Contratos de Aquisição de Energia – CAE e o seu sucedâneo Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual – CMEC). Assim, essas centrais térmicas e as construídas em mercado livre viram a quota normal de produção anual muito reduzida, passando a trabalhar mais em apoio às renováveis intermitentes.
O seu papel passou a ser não tanto o de produzir energia, mas sim o de ‘pronto-socorro’ para assegurar a potência firme essencial para garantir o equilíbrio instantâneo entre a oferta e a procura de eletricidade nas horas críticas de grande consumo e em que não haja nem sol nem vento e reduzidas afluências hídricas, função que não tem sido devidamente reconhecida.
Acontece que o governo em 2018, com o objetivo de acabar com o carvão na produção de eletricidade, passou a fazer uma dupla taxação sobre essas centrais. Além dos custos de emissão de CO2, elas passaram a pagar no Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) uma taxa de carbono. As centrais a carvão deixavam então de ser competitivas em relação às centrais a gás natural e foi nesse contexto que a EDP desativou a Central de Sines, que era a melhor, mais limpa e eficiente central a carvão da Península Ibérica.
Veio depois a assistir-se a um aumento impressionante dos preços do gás natural na sequência da recuperação económica no pós-covid. No mercado grossista, estas centrais têm fixado o preço marginal, ponto de encontro entre as ofertas de produção e de procura de eletricidade, na maior parte das horas. Este preço comum, a toda a produção e consumo emparelhados, começou a atingir preços estratosféricos. Tudo isto é agora dramaticamente ampliado com a invasão da Ucrânia pela Rússia, a qual é responsável pelo fornecimento de 40% do gás à Europa e de 60% à Alemanha.
Com esse disparo dos preços do gás natural, as centrais a carvão, apesar da elevadíssima dupla taxação, passaram a ser competitivas em relação ao gás natural. E o carvão tem uma grande diversificação geográfica a nível mundial. Foi já neste contexto que surpreendentemente o ministro do Ambiente aceitou o fecho da Central do Pego, cujo funcionamento nesta dramática conjuntura permitiria ter uma diversificação e uma flexibilidade em relação ao gás natural, como está aliás a acontecer noutros países. Por exemplo na Alemanha o carvão é neste momento responsável por 25% da produção de eletricidade.
O ministro do Ambiente vem agora dizer que o prolongamento do Pego custaria 100 milhões de euros/ano aos consumidores, o que não é verdade! Acontece que um dos autores deste artigo, Mira Amaral, instruiu na altura como Ministro da Indústria e Energia a EDP, como empresa pública sob a sua tutela, a vender o Pego a um consórcio privado no âmbito do Plano de Reequilíbrio da EDP, na altura com grande endividamento financeiro.
Na sequência do concurso internacional, fez-se então um CAE, ao abrigo do qual a central iria receber duas parcelas: uma parcela fixa anual, os referidos 100 milhões de euros, pela sua POTÊNCIA disponível, e uma variável pela ENERGIA vendida.
Acontece que no tempo recente em que praticamente a central quase não funcionava, pelas razões referidas, o que avultava no custo da central era essa parcela fixa. No fundo, o CAE pagava esse aluguer de longa duração da central e tendo o CAE chegado ao fim, o investimento ficou totalmente pago, pelo que a partir dessa altura já não haveria esses 100 milhões de euros a serem pagos pelos consumidores!
Assim, o que haveria a fazer seria: ou permitir à Central passar a funcionar alguns anos mais em mercado (como se tinha permitido à EDP em Sines quando o período revisável dos CMEC acabou), deixando aos proprietários assumir os riscos de mercado num enquadramento em que, como explicado, o carvão seria competitivo face aos elevadíssimos preços do gás; ou negociar uma contratação por mais dois anos, por exemplo, em que o custo fixo a pagar seria bem mais modesto, apenas os ordenados e alguma manutenção necessária, e claro pagar o custo variável da energia produzida: combustível e a dupla taxação dos custos de emissão do CO2 e do ISP sobre o carbono.
E com o fecho do Pego arriscou-se desnecessariamente a segurança do sistema elétrico nacional em janeiro de 2022, contra o parecer do Relatório de Monitorização da Segurança dos Abastecimentos da DGEG/REN. Com efeito, em Portugal registou-se à hora de jantar de 12 de janeiro de 2021 uma potência máxima de consumo, ponta de consumo, de 9888 MW. No final de 2020 tínhamos uma capacidade instalada com carvão de 20413 MW e sem carvão de 18657 MW, o que, aparentemente, seria mais do que suficiente.
Ora a essa hora não há sol e, portanto, a contribuição da energia fotovoltaica é nula, enquanto a eólica em termos de potência disponível estatisticamente assegurada, a chamada potência firme, será apenas de 7% da capacidade eólica instalada, com base em dados espanhóis! Fazendo as contas através dessa análise estatística para todo o sistema produtor, obtém-se uma potência firme com as centrais a carvão de 10048 MW e sem centrais a carvão apenas de 8379 MW manifestamente insuficiente para uma ponta de quase 10000 MW.
É uma outra forma de mostrar que o risco de não total cobertura dos consumos, apresentado no Relatório DGEG/REN para 2022, foi elevado, mas felizmente o inverno deste ano tem sido ameno e a ponta de consumo de janeiro foi de 8595 MW e ocorreu pelas 19:30 do dia 26. Apesar do decréscimo favorável, deve reconhecer-se que não havia potência firme suficiente e foi decisiva a ajuda das importações do sistema espanhol e francês. E se houvesse vaga de frio, tanto aqui como nesses dois países? Nas alturas difíceis é cada um por si e, provavelmente, teriam que ser feitos cortes programados de consumo de modo a evitar o mal maior: apagão nacional.
Por último, refere-se que o ministro do Ambiente continua a dizer que os investimentos em fotovoltaicas substituem as centrais a carvão. Não é verdade porque, mesmo que produzam a mesma ENERGIA anual, é quando o sol desaparece que o consumo é mais elevado e o seu contributo em POTÊNCIA é nulo. A partir dessa hora não haverá eletricidade produzida a partir de fotovoltaicas, por mais potência fotovoltaica instalada que exista!