A doutrina de Grosni

Mas os milhões de refugiados que procuram abrigo, as imagens da violência indiscriminada, a incompreensão desenhada nos rostos que sofrem, provoca a estupefação e a revolta.

A Chechénia inaugurou uma nova doutrina de intervenção do exército russo. 

Acabar com a resistência destruindo selectivamente as cidades reduzindo-as a pó.

Grandes bombardeamentos de origens diversas passaram a ser o prelúdio de uma intervenção final terrestre que acabaria com o que restava.

O quadro nessa altura era oferecido por uma ofensiva considerada terrorista, que nos seus primórdios exibiu ataques indiscriminados, tomada de reféns, sabotagens bombistas e revelou ligações perigosas ao terrorismo islâmico.

Em função destes antecedentes, o mundo tolerou quanto veio a acontecer.

Grosni foi destruida com requintes de crueldade.

Eram os russos a acabar com um desafio interno, os russos contra o terror e tanto bastou para todos fecharem os olhos.

Foi ali o berço da violência.

Muitos anos depois, a Rússia encetou uma aventura externa.

Na complexa panóplia do oriente médio, a Síria encarou uma sublevação ao mesmo tempo que se defrontava com a Al Qaeda e os seus sucedâneos.

Despertou a Rússia para os seus interesses estratégicos. Percebeu como para si seria vital manter no poder Afez al Assad e resolveu intervir ao seu lado.

Foi a vez de Alepo sentir a fúria russa.

Recorrendo à mesma doutrina de intervenção, a cidade foi arrasada.

Tratava-se de um país independente, confrontado com uma revolução, que aceitou a ajuda de Moscovo.

O mundo viu a intervenção desenvolver-se mas desinteressou-se do problema.

Agora, o cenário é outro.

A Rússia diz sentir-se ameaçada. Invade um país. Inicia uma guerra.

Decide afrontar um governo legítimo, ensaia um golpe rápido em cavalgada. As coisas não correm bem.

O mundo preocupa-se, parte dele une-se e reforça-se, reage, aprova sanções, arma os resistentes.

A Rússia recorre à doutrina praticada nos dois outros casos.

Não contra terroristas, não contra rebeldes a outrem, mas contra um povo livre.

Inicia, então, os bombardeamentos arrasadores contra objetivos não militares, contra áreas residenciais, contra hospitais, contra cidadãos indefesos.

O mundo finge não compreender a barbárie.

Mas os milhões de refugiados que procuram abrigo, as imagens da violência indiscriminada, a incompreensão desenhada nos rostos que sofrem, provoca a estupefação e a revolta.

É grande a reação da comunidade internacional.

Tão grande que o Tribunal Penal Internacional inicia uma investigação aos crimes de guerra praticados e insta a Rússia a parar com as hostilidades.

Ora, a verdade é que os ataques continuam e não se percebe porquê.

Diz a Rússia que não quer substituir o governo da Ucrânia, que apenas pretende criar condições para um país desmilitarizado e não integrante da NATO.

Ficando por aqui, a luta não tem mais sentido.

A Ucrânia já aceitou estas duas condições.

Poderia, portanto, parar a destruição.

Então, as conversações de paz devem substituir a guerra. 

E, das duas uma, ou isto é verdade e então o caminho é promissor, ou a comunidade internacional não terá outro recurso que não seja aumentar a pressão, não excluir qualquer cenário interventivo, lembrar que o medo e a ameaça não podem ser unilaterais.

 

Se assim não for, aquele país será uma ruína e a liberdade uma caricatura.