Enquanto o mundo acompanha com atenção e se emociona com a trágica situação vivida na Ucrânia, o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, alertou que, mesmo assim, «não há nenhum sítio na Terra» onde as pessoas estejam mais em risco do que em Tigré, uma das nove regiões da Etiópia.
É difícil avaliar a extensão total das vítimas destas regiões, mas, segundo um relatório publicado na quinta-feira pela Comissão Etíope dos Direitos Humanos (CEDH), pelo menos 750 civis foram mortos ou executados entre julho e dezembro de 2021 em duas regiões do norte da Etiópia, sem contar com as pessoas que morreram vítimas de doenças ou de falta de condições básicas.
Face a esta situação crítica, o diretor-geral da OMS incitou todas as pessoas a não esquecerem a crise humanitária que se vive neste país, referindo-se aos confrontos entre as forças leais do Governo federal, em Adis Abeba, aos combatentes da Frente de Libertação do Povo de Tigré, enquanto, ao mesmo tempo, as reservas de alimentos essenciais para crianças subnutridas se esgotam.
Durante uma conferência de imprensa, Tedros Ghebreyesus, que viveu em Tigré, expressou preocupação perante a fúria do Governo etíope e acusou o país de colocar a região em bloqueio. Face a estas acusações, o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, acusou o líder da OMS de ser «tendencioso» e de espalhar desinformação.
«Sim, sou de Tigré. Esta crise afeta-me pessoalmente, a mim, à minha família e aos meus amigos muito pessoalmente», confessou Ghebreyesus. «Mas, como diretor-geral da OMS, tenho o dever de proteger e promover a saúde onde quer que esteja ameaçada. E não há nenhum lugar na terra onde a saúde de milhões de pessoas esteja mais ameaçada do que em Tigré», disse, citado pelo Guardian.
O responsável comparou a situação vivida em Tigré com a invasão russa da Ucrânia e pediu ao mundo para não se esquecer desta região africana. «Assim como continuamos a pedir à Rússia que faça a paz com a Ucrânia, continuamos a pedir à Etiópia e à Eritreia que coloquem um fim ao bloqueio e ao cerco e que permitam o acesso seguro das forças humanitárias, do equipamento e trabalhadores de saúde para poderem salvar vidas».
Material médico em falta
Apesar de nas últimas semanas equipamentos médicos terem começado a chegar a esta região, depois de um hiato de seis meses, a OMS e os médicos no local disseram que não é em quantidades suficientes para responder às necessidades da população.
Em janeiro, o Programa Alimentar Mundial (PAM) já tinha alertado que tinham sido feito os últimos fornecimentos de cereais, leguminosas e petróleo em Tigré, onde se estima que mais de cinco milhões de pessoas necessitam de assistência alimentar.
Esta quarta-feira, Tedros informou que não existia material para cuidar, por exemplo, pelo menos 46 mil pessoas com HIV. «O programa foi abandonado. Pessoas com tuberculose, hipertensão, diabetes e cancro também não estão a ser tratadas e podem morrer», lamentou, acrescentando ainda que a falta de comunicação sobre o que se está a passar em Tigré torna esta situação «uma crise esquecida».
A Etiópia enfrenta desde novembro de 2020 uma guerra que começou na província do Tigré e se espalhou para as regiões vizinhas de Amhara e Afar, marcada por abusos de ambas as partes em conflito: as forças governamentais, apoiadas pelas forças da Eritreia, e a Frente Popular de Libertação do Tigré.
Para aliviar a situação vivida nas regiões de Amhara e Afar, os Estados Unidos enviaram mais de 250 toneladas de ajuda humanitária para a Organização Internacional das Migrações, de modo a apoiar as populações das afetadas pelo conflito desde novembro de 2020. «Há cerca de 4,2 milhões de deslocados na Etiópia por causa dos conflitos e graças a este apoio generoso continuaremos os nossos esforços para apoiar o Governo da Etiópia na altura de assegurar que os deslocados têm acesso a abrigo seguro e um melhor sistema de higiene», disse o chefe da missão da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional na Etiópia, Jian Zhao.