Abramovich: ‘Filho’ de Abraão, ‘afilhado’ de Putin

Roman Abramovich continua a ser, entre outros, o homem do momento. O russo, proprietário do Chelsea – que tem nacionalidade portuguesa – foi alvo de fortes sanções pelo Governo britânico, devido à sua alegada relação com Putin.

O mundo foi abalado, na madrugada de 24 de fevereiro, com as notícias da invasão russa da Ucrânia, que colocou as populações desses países – e não só – em alerta, e que movimentou ações internacionais para boicotar e sancionar o regime de Vladimir Putin. Não se imaginava, no entanto, que essa ação militar pudesse levar, por exemplo, o Chelsea a pedir que o jogo dos ‘quartos’ da Taça de Inglaterra, frente ao Middlesbrough, fosse jogado à porta fechada, já que o clube inglês, propriedade do milionário russo (e português) Roman Abramovich, estaria impedido de vender bilhetes.

É que Abramovich foi alvo de sanções por parte do Governo inglês – bem como pela União Europeia – devido às suas ligações ao regime de Putin, o que põe também em causa o clube que detém – o Chelsea não pode comprar nem vender jogadores, e a própria venda do emblema fica suspensa. Em resumo: nenhuma ação que venha a gerar lucro para Abramovich poderá seguir o seu caminho.

A situação é tal que, por exemplo, relativamente a este mesmo confronto da Taça de Inglaterra, os blues tiveram de estar a contar tostões para pagar a viagem até ao terreno da equipa da casa, uma vez que, estando os bens de Abramovich congelados, o clube não tinha forma de pagar a viagem de avião. Até o próprio Kai Havertz se ofereceu para pagar a deslocação do Chelsea, que tinha cerca de 800 quilómetros de caminho pela frente (ida e volta).

Situações caricatas, longe de ser expectáveis num clube tão notável como o Chelsea. Ainda assim, são mesmo estes os efeitos bizarros das sanções a Abramovich, que chegou a afirmar que queria vender o clube e criar uma fundação que utilizaria as receitas da venda para ajudar vítimas da guerra na Ucrânia.

 

O ‘delfim’ de Putin

Mas afinal, quem é Roman Abramovich? O russo, que é português desde abril do ano passado, tendo conseguido a nacionalidade através da denominada ‘via sefardita’, bem como israelita, é um multimilionário homem de negócios, com origens judaicas e fervoroso adepto do maior desporto do mundo. Em 2003, Abramovich comprou o Chelsea a Ken Bates, e desde então tem sido o grande ‘pai’ do clube no Oeste de Londres. Desde que se tornou propriedade do russo, aliás, o Chelsea já venceu vários grandes títulos – dois troféus da Liga dos Campeões, bem como dois títulos da Liga Europa e mais um da Supertaça Europeia; cinco títulos da Premier League, e mais cinco da Taça de Inglaterra, vencendo ainda a Taça da Liga inglesa em três ocasiões.

A fortuna de Abramovich, no entanto, vai muito para além dos negócios no futebol. E há quem aponte algumas manchas no seu currículo. A BBC acusa o russo, aliás, de roubo, sequestro e corrupção. A cadeia britânica arranca numa lista de acusações que começa em 1992, com o alegado assalto de um comboio que carregava combustível, para depois vender esse mesmo produto roubado. A BBC cita advogados russos que garantem, no entanto, que o incidente foi um ‘mal-entendido’, acabando o caso por desaparecer sem deixar rasto.

Já na compra da Sibneft, a empresa petrolífera que rendeu ao oligarca uma choruda fortuna, o mesmo é acusado de ter pago 10 milhões de dólares (cerca de 9 milhões de euros) a Alexander Korzhakov, uma importante figura no Governo russo, então liderado por Boris Yeltsin, através de Boris Berezovsky – outro oligarca russo. Uma informação, aliás, que Abramovich admitiu em 2012. O milionário russo terá comprado a Sibneft por cerca de  250 milhões de dólares, vendendo a sua parte ao Governo russo, em 2005, por 13 mil milhões de dólares, num negócio que, aponta a BBC, terá sido ‘arranjado’.

Noutra ocasião, acusa a BBC, na altura da compra da empresa Slavneft – também ela do setor petrolífero – um dos membros da delegação de uma companhia chinesa que também estava interessada na mesma firma terá sido sequestrado ao chegar a Moscovo, acabando este concorrente chinês por abandonar o negócio como consequência.

Mais tarde, no entanto, e gozando de proximidade com o regime russo, Abramovich movimentou-se no negócio do alumínio, do ferro e do níquel, que lhe rendeu também vários milhões de dólares.

Abramovich – cuja fortuna estava avaliada pela Forbes, em dezembro de 2021, em cerca de 13 mil milhões de euros, ocupando desse modo o 142.º lugar no ranking dos homens mais ricos do mundo – é também feito de política, de mãos dadas com o seu poder financeiro, tendo sido neste setor que se aproximou do nome que agora causou o congelamento das suas contas. Em 1999, quando mantinha já relações próximas com o então presidente Boris Yeltsin, o russo-luso-israelita foi nomeado para a Duma – a câmara baixa da Assembleia Federal da Rússia – onde representou a região de Chukotka, uma das mais pobres e remotas da Rússia. A representação e a ligação a esta região no Extremo Oriente russo acabou por levar, no ano 2000, à sua eleição como governador de Chukotka, cargo que manteve até 2008.

A ligação de Abramovich a Yeltsin é conhecida, e há quem diga que foi o próprio milionário a sugerir ao então presidente russo a nomeação de Vladimir Putin para ocupar o lugar aos comandos do país na viragem do Milénio. Tal foi – e é – a relação entre Putin e Abramovich que Chris Hutchins, biógrafo do presidente russo, garante que que ambos mantêm uma relação ‘como pai e filho favorito’.

Apesar de as sanções contra Abramovich se terem intensificado após a invasão da Ucrânia pelos russos, o oligarca não é estranho a este tipo de ataques. Já em 2017, num decreto assinado pelo então presidente Donald Trump, os Estados Unidos incluíram Abramovich numa lista de oligarcas russos sancionados pelo Governo norte-americano.