Uma oportunidade única

 Há também os problemas crónicos de uma Administração Pública com excesso de quadros menos onde eles são precisos – a falta de meios nos tribunais é uma questão essencial, porque a lentidão da Justiça condena qualquer país, qualquer economia, afastando o investimento; as conservatórias não têm concursos de ingresso há dezenas de anos; os professores…

O novo Governo, cuja orgânica e composição estão formal e oficialmente publicadas no site do Presidente da República, tem um desafio titânico e assumido pelo seu líder: tirar Portugal da cauda da Europa.

Para isso, é preciso pôr a economia a crescer não apenas acima da média europeia – porque esta é uma meta que só permite escamotear o insucesso das políticas que há décadas nos vêm condenando a baixar em todos os rankings – mas fazer com que todos ou os principais indicadores económicos, por junto, se fixem bem acima da maioria dos outros Estados-membros.

Aumentar a produtividade, a rentabilidade e a competitividade são condições sine qua non.

Que têm de ser compatibilizadas com uma cruzada pela redução da dívida pública, por um lado, e da asfixiante carga fiscal, por outro.

Isso só se faz com um vasto conjunto de reformas – da Fiscalidade às Infraestruturas, da Educação à Justiça, da Administração Pública à Saúde –, só possíveis com um muito significativo investimento, com vontade e com condições políticas ímpares.

Ora, com a Bazuca e o programa Portugal 20-30, com um Governo de maioria absoluta de um só partido e um Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) aprovado pelas instâncias europeias, Portugal tem uma oportunidade única, mesmo única, que não pode desperdiçar.

É certo que mal estamos a sair de uma pandemia ainda por resolver e que vivemos uma nova e profunda crise mundial com a invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin e o regresso da guerra ao continente europeu.

Se as consequências deste conflito armado são imprevisíveis, há que manter a esperança e acreditar que, uma vez mais, depois da guerra virá um novo ciclo de crescimento.

Portugal, em matéria de energia, não tem situação de dependência externa (e em particular da Rússia) sequer comparável com a maioria dos seus parceiros mais a leste e a norte da Europa. Incluindo a toda poderosa Alemanha.

E pode reaproveitar a sua posição geoestratégica, voltando a ser a porta da Europa – em vez da cauda – na construção de alternativas, particularmente ao gás do Nord Stream 1 e 2 da Rússia.

É preciso ligar Sines a Espanha e a França aceitar a ligação da Península Ibérica ao resto da Europa. E desta vez contamos com o interessado apoio dos Estados Unidos.

Claro que, aqui, não se trata só de um problema político ou de custo da energia, mas também da recuperação de um atraso descomunal na ferrovia (e na entrada de Portugal na velocidade alta, na bitola espanhola, assim ligada à rede transeuropeia).

Até o ambiente agradece – já que para o futuro próximo é agora mais premente uma revisita às estratégias para a descarbonização.

Mas há também os problemas crónicos de uma Administração Pública com excesso de quadros menos onde eles são precisos – a falta de meios nos tribunais é uma questão essencial, porque a lentidão da Justiça condena qualquer país, qualquer economia, afastando o investimento; as conservatórias não têm concursos de ingresso há dezenas de anos; os professores atingiram uma média de idades e uma carga horária desmotivadoras; para não falar dos profissionais da Saúde, sejam técnicos, enfermeiros ou médicos cujas condições de trabalho e remuneratórias não têm comparação com o privado.

O Sistema Nacional de Saúde que todos aplaudimos com a resposta à pandemia não tem futuro tal como está. É impossível. Está esgotado. É urgente repensar todo o seu funcionamento e em toda a sua dimensão – no relacionamento público-privado e social.

Na hora da confirmação oficial da orgânica e da composição do próximo Governo Constitucional, sucedem-se com naturalidade os comentários, os palpites ou os ‘achismos’ de que o futuro Executivo tem esta ou aquela virtude e este ou aqueloutro defeito.

É inevitável. Fosse qual fosse a orgânica ou a composição do Governo, haveria sempre quem descobrisse razões de sobra para elogios e para críticas.

Com maioria absoluta e quase dois meses de intervalo entre o dia das eleições e o da tomada de posse, António Costa teve tempo e vagar para fazer o melhor que podia e que queria para enfrentar a legislatura que agora vai iniciar-se.

E construiu um Governo mais político e mais académico. É o melhor que pode ter, até ver.

Diga-se o que se disser, e independentemente das apreciações que nos mereçam, Costa levou para o Governo os melhores e mais disponíveis para o partido e para o país e foi recrutar ao meio académico personalidades de reconhecido mérito.

Veremos os resultados. E esperemos que seja bom. Porque é difícil voltarmos a ter uma oportunidade assim.