Na sua edição de sábado, o jornal Nascer do SOL noticiou que o general Ramalho Eanes – antigo Presidente da República e figura de referência do 25 de Novembro, que marca o início do regime democrático em Portugal – foi ‘esquecido’ por Pedro Adão e Silva, comissário responsável pela organização das celebrações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974. Com efeito, o Protocolo do Estado só na parte da tarde da véspera da cerimónia telefonou a Ramalho Eanes. Sendo que este, a convite do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, chegou a ser o presidente da dita comissão organizadora das comemorações – cargo do qual, em junho do ano passado, solicitou a sua desvinculação.
Além de Ramalho Eanes, o i soube entretanto que também o poeta, histórico militante socialialista e resistente antifascista Manuel Alegre – que ativamente participou nos movimentos de contestação estudantil dos anos 60 contra o regime de Salazar e o Estado Novo, também foi esquecido pela organização e não foi convidado a estar presente na cerimónia inaugural das comemorações, que teve lugar na passada quarta-feira.
Comissário das comemorações e futuro ministro da Cultura – já formalmente anunciado para o XXIII Governo Constitucional –, Adão e Silva, questionado pelo i sobre o porquê de ter deixado de fora Manuel Alegre da lista de convidados daquela sessão, limitou-se a responder que os convites não são da sua responsabilidade, mas sim do Protocolo do Estado, recusando-se a responder a qualquer outra questão sobre este assunto – incluindo o facto de Ramalho Eanes só ter sido convidado tão tardiamente. Poeta natural de Águeda e socialista de sempre, Manuel Alegre, em declarações ao i, lamenta a falha da comissão organizadora das celebrações dos 50 anos do 25 de Abril com Ramalho Eanes e consigo próprio, preferindo, porém, pôr a tónica no que considera tratar-se de “cultura de Festival da Canção”.
Para o autor d’ O Canto e As Armas, estes tristes episódios são reveladores de uma cultura vigente que apenas liga ao “momento do telejornal”.
Alegre foi uma das figuras mais importantes da transição democrática em Portugal, principalmente no movimento estudantil de Coimbra. Ainda assim, não recebeu qualquer convite por parte da organização do 50.º aniversário da Revolução dos Cravos para participar no evento solene da passada quarta-feira, que deu o tiro de partida para estas celebrações, que duram até dezembro de 2026. “Foi um esquecimento. Esqueceram-se de mim, esqueceram-se do Eanes, se calhar também se esqueceram de outros”, lamenta Alegre, em declarações ao i, acusando “distração, leviandade, ou então desconhecimento da história da resistência, do 25 de Abril e também das lutas estudantis”.
Manuel Alegre aponta também o facto de não ter sido convidado para o colóquio “Primaveras Estudantis. Da Crise de 1962 ao 25 de Abril”, que decorreu na Reitoria da Universidade de Lisboa, na quinta-feira, “apesar de ter sido um dos principais dirigentes da luta estudantil em Coimbra”. Na quinta-feira passada, ao longo do dia inteiro, a Universidade de Lisboa promoveu esse colóquio, onde participaram figuras como Pedro Adão e Silva (Comissário Executivo das Comemorações 50 Anos 25 de Abril), Luís Ferreira (Reitor da Universidade de Lisboa), Eduardo Ferro Rodrigues (Presidente da Assembleia da República) e Marcelo Rebelo de Sousa (Presidente da República), bem como Isabel do Carmo, Fernando Rosas e José Pacheco Pereira.
“As pessoas, quando aceitam um cargo desta natureza, têm de ser responsáveis”, continua Alegre, atirando farpas à comissão organizadora destas comemorações e, consequentemente, a Adão e Silva.
“Não podem ter ignorância da História. Pergunto-me se as pessoas que estão a organizar isto conhecem a História. Se conhecem a história da resistência, do 25 de Abril, da luta estudantil”, questiona, triste, Manuel Alegre.
“Se se esquecem do general Ramalho Eanes ou lhe telefonam na véspera… a mim nem na véspera me telefonaram. Somos duas referências do Portugal democrático, estou a falar objetivamente”
Não houve qualquer menção, nem chamada, “foi esquecimento total”, aponta Alegre, sem, no entanto, querer conotar este detalhe com qualquer ‘má intenção’, apesar de acusar a gravidade da situação.
“Não quero ver agora aqui segundas intenções. Basta que seja um esquecimento para ser suficientemente grave. Não pode haver esquecimentos desta natureza, pelo menos em relação a certas pessoas. No caso do general Ramalho Eanes, por ser quem é, e no meu caso, também por ser quem sou, com a idade que tenho e com o papel que tive em várias frentes. O esquecimento em si, com intenção ou sem ela, é já suficientemente lamentável”.
Esquecimentos Ramalho Eanes, como o Nascer do SOL noticiou no sábado, foi convidado apenas 25 horas antes do arranque do evento que ocorreu no Pátio da Galé, em Lisboa, na quarta-feira. Uma janela de tempo insuficiente para que o antigo Presidente da República e principal figura do 25 de Novembro de 1975 pudesse participar, uma vez que tinha agendado há meses para a passada quarta-feira – dia da sessão solene – um exame médico do foro gastroenterológico (colonoscopia), que implicava uma preparação nos dias anteriores. O jornal avança ainda que esse exame correu bem e não registou qualquer anomalia. De fora do evento esteve também Cavaco Silva, antigo Presidente da República, que se encontrava em Évora, no doutoramento honoris causa do Prof. Braga de Macedo.