Os ucranianos tentam perceber porque as suas cidades estão sob bombardeamento com tropas russas à porta, ou o que esperar agora que a ofensiva do Kremlin estacou, face à feroz resistência. Na prática, querem saber o que pretende Vladimir Putin. Para o chefe das secretas da Ucrânia, a resposta é um cenário semelhante ao que vemos na península da Coreia. Só que em vez de uma divisão entre norte e sul seria entre o oeste, onde se fala sobretudo ucraniano, e as zonas ocupadas no leste, maioritariamente russófono.
Após as suas esperanças de derrubar rapidamente o Governo de Volodymyr Zelensky falharem, o Presidente russo dedicou-se a “uma tentativa de criar uma Coreia do Norte e do Sul na Ucrânia”, apontou o general Kyrylo Budanov, em comunicado. “Afinal, ele definitivamente não está em posição para engolir o país inteiro”, continuou o chefe das secretas.
“Os ocupantes tentarão unir os territórios ocupados numa única entidade quase estatal, que se irá opor à Ucrânia independente”, explicou Budanov. Na prática, a motivação do brutal cerco a Mariupol, no interior da qual tropas russas já combatem, determinadas a enfrentar combates urbanos e destruir a cidade com bombardeamentos, é porque esta é o último obstáculo na criação de um corredor entre o Donbass e a Crimeia, apontam analistas. “Já estamos a ver tentativas de criar autoridades ‘paralelas’ nos territórios ocupados e obrigar as pessoas a abandonar a hryvnia”, a moeda ucraniana, acrescentou o chefe das secretas de Kiev.
primeira fase da “operação Especial” chega ao fim Já do lado de Moscovo, a indicação também é que, após ofensivas em múltiplas frentes, procurando cercar cidades como Kiev e Kharkiv, o foco de Putin – que nunca deixou de ser o leste do país, e por isso as suas forças não cruzaram o rio Dnipre, exceto no noroeste da capital ou no sul, atingindo Mykolaiv, a caminho de Odessa – agora é sobretudo o Donbass. Foi isso que anunciou uma das mais altas patentes russas, o coronel-general Sergei Rudskoy, esta sexta-feira, quando declarou o fim da primeira fase da invasão, ou “operação especial”, como lhe chama o Kremlin.
No dia seguinte, os separatistas russos de Donbass até falavam publicamente de uma eventual anexação deste território pela Rússia, à semelhança do que se sucedeu na Crimeia, em 2014. À época, após manifestações contra o derrube do Governo de Viktor Yanukovych na revolução Euromaidan, militares russos não-uniformizados, os famosos “homenzinhos verdes”, tomaram a administração local da península, conduzindo um referendo à anexação que não foi reconhecida pela comunidade internacional, onde mais de 95% terão votado “sim”, com mais de 83% de participação.
Apesar de não haver dúvidas quanto à força sentimento pró-russo na Crimeia, onde mais de 70% queriam juntar-se à Rússia, mostrava uma sondagem da alemã GfK Group, seria esse o gatilho para o início do conflito.
Deveremos ver algo semelhante no Donbass em breve, assegurou Leonid Pasechnik, líder da autoproclamada República Popular de Lugansk. “Creio que num futuro próximo haverá um referendo”, explicou este domingo à agência russa TASS, para que a população “expresse a sua opinião quanto a juntar-se à Rússia”. Mais uma vez, o resultado parece decidido à partida. “Por alguma razão, estou seguro que é exatamente assim que será”, rematou Pasechnik.
Já Kiev, mais uma vez, assegura que nunca aceitará tal coisa. Apesar de Moscovo exigir o reconhecimento da perda da Crimeia e do Donbass como condição para qualquer cessar-fogo.
“Todos os falsos referendos em territórios temporariamente ocupados são nulos e sem efeito, não terão qualquer validade legal”, respondeu o porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Oleg Nikolenko, questionado pela Reuters. “Em vez disso, a Rússia irá enfrentar uma resposta ainda mais forte da comunidade internacional, aumentando ainda mais o seu isolamento global”.
Na cabeça de Biden As intenções de Joe Biden perante a guerra na Ucrânia também se tornaram motivo de especulação. “Por amor de Deus, este homem não pode permanecer no poder”, exclamou o Presidente americano este sábado, após um encontro com refugiados ucranianos em Varsóvia, ecoando o que vai na cabeça de tanta gente quando observa a miséria causada pela invasão lançada por Putin.
No entanto, esta expressão de Biden, tenha sido calculada ou espontânea, rapidamente fez soar sinais de alerta. Trouxe à memória o caos que se seguiu às intervenções militares da NATO para derrubar Saddam Hussein, no Iraque, ou Muammar al-Gaddafi, na Líbia.
A Casa Branca, com perfeita noção disso, apressou-se a negar que a sua intenção de Biden seja uma “mudança de regime” na Rússia, uma expressão que nas últimas décadas ficou associada a uma postura intervencionista – ou imperialista, diriam os seus detratores – dos EUA.
“Como sabem, e como nos ouviram dizer repetidamente, não temos uma estratégia de mudança de regime na Rússia, ou em outro lado nenhum” insistiu o secretário de Estado de Biden, Antony Blinken, logo no dia seguinte. “O Presidente, a Casa Branca, marcaram posição na última noite que, muito simplesmente, o Presidente Putin não pode ser autorizado a fazer guerra ou levar a cabo uma agressão contra a Ucrânia”.
Já os ucranianos não têm intenção nenhuma de permitir isso, previu Budanov. “A época do total safari de guerrilha ucraniano vai começar em breve”, explicou o chefe das secretas de Kiev. “Então restará apenas um cenário relevante para os russos – como sobreviver”.