Guerra na Ucrânia. Quebrar a barreira da censura russa com o Tinder

A agência de marketing eslovena Jandl está a tentar contornar a censura russa através do Tinder ao incentivar os utilizadores a transmitir informações e imagens alusivas à guerra – e não a uma “operação militar especial” – naquela plataforma. 

“Os russos não sabem a verdade sobre a guerra na Ucrânia. As redes sociais estão canceladas. Os media internacionais estão proibidos. Os canais oficiais russos mentem enquanto pessoas inocentes são assassinadas. Putin ignora o mundo inteiro, mas talvez não ignore o próprio povo. Encontrámos uma maneira de contornar a censura no Tinder. Sim, no Tinder. Vamos mostrar que o amor e a verdade são mais fortes do que a guerra”. Assim é a mensagem de apresentação do projeto Special Love Operation (em português, numa tradução literal, Operação Amor Especial) através do qual Alex Strimbeanu, diretor criativo da agência de marketing eslovena Jandl, e os seus colegas estão a tentar que a realidade sobre a “intervenção militar” de Vladimir Putin seja transmitida aos russos.

“Demorámos aproximadamente uma semana a superar o choque de saber que uma guerra estava a acontecer tão perto de nós. Primeiro, a nossa empresa doou dinheiro para ajudar os refugiados da Ucrânia, depois contratámos uma pessoa ucraniana. E então estávamos a questionarmo-nos acerca daquilo que poderíamos fazer”, explica Alex ao i, acrescentando que se reuniu com os colegas e, após algum tempo de debate, decidiram recorrer às “habilidades criativas para conversar com os russos”. “Porque percebemos que, se Putin está a impedir o acesso ao Instagram, ao Facebook e aos media ocidentais, é porque não está confortável com o seu próprio povo a ver a verdade”.

Deste modo, lançaram o site specialloveoperation.com, que consiste numa campanha cujo lema é “Supere a guerra da censura russa com amor!”. Se acedermos ao mesmo, encontramos uma lista de passos a seguir para que nos possamos juntar ao movimento. Antes dos mesmos serem enumerados, é esclarecido que será necessário obter o Tinder Plus. No site oficial desta aplicação, lê-se que esta subscrição custa €9,99 por mês, €5,16 por mês durante seis meses ou €3,49 por mês durante um ano. 

“Gostos ilimitados: faça quantos gostos quiser”, “Controle o seu perfil: limita o que os outros veem”, “Escolha quem o(a) vê: seja mostrado(a) apenas às pessoas de quem gostou”, “Gostar de perfis em todo o mundo: um passaporte para qualquer destino!”, “Retrocessos ilimitados: vá lá e tente outra vez” e “Desligar anúncios” são os bónus prometidos aos utilizadores que também podem participar na Special Love Operation.

“1. Vá às configurações e altere a sua localização para cidades na Rússia”, “2. Tire uma selfie segurando uma foto da Guerra na Ucrânia (ou apenas envie fotos da galeria abaixo)”, “3. Edite ‘Sobre mim’ com o texto abaixo” e “4. Mostre amor, não ódio e deslize para a direita sempre”, isto é, fazer o famoso ‘swipe right’ para alcançar o maior número de correspondências (’matches’) com as quais possam conversar e divulgar ainda mais notícias que são ocultadas.

“Caros russos, o Ocidente não vos odeia. Nós odiamos a guerra. Odiamos a invasão da Ucrânia. O exército russo está a matar pessoas inocentes enquanto Putin mente e esconde-vos a verdade. Os vossos irmãos e irmãs estão a morrer por causa da loucura e ilusão de um ditador. Espalhem a verdade. Façam amor e não guerra!” é a mensagem que a agência pede que seja colocada na pequena biografia da plataforma.

“Não podíamos acreditar numa justaposição tão surreal e absurda de morte e amor” “Acho que a história que nos inspirou foi uma notícia de que soldados russos apareciam no Tinder de mulheres ucranianas. Estávamos absolutamente chocados e não podíamos acreditar numa justaposição tão surreal e absurda de morte e amor. Quero dizer, eles vieram para matar, mas ainda aparecem no Tinder. Isto é insano. Depois de termos lançado a nossa iniciativa, descobrimos que outras pessoas estavam a tentar propagar a verdade no Tinder. Saudamos todas elas”, diz Alex, referindo-se ao fenómeno que o i veiculou no passado dia 2 de março.

“Parece algo demasiado insólito para ter acontecido em pleno cenário de guerra. Há exatamente uma semana, o britânico The Sun noticiou que as mulheres ucranianas, residentes em Kharkiv, a segunda cidade mais importante da Ucrânia, ‘ficaram chocadas’ com o aparecimento de ‘um conjunto de admiradores de uniforme”, escrevia o i, adiantando que o jornal havia explicado que “soldados russos bonitinhos cujos nomes são Andrei, Alexander, Gregory, Michail e um lutador checheno barbudo apelidado de ‘Black’ estavam entre as dezenas de perfis que apareceram”.
À época, sabia-se que haviam surgido na aplicação de encontros, a aproximadamente 32 quilómetros de Kharkiv, vários militares. Quem fez a denúncia foi Dasha Sinelnikova, produtora de vídeo de 33 anos. “O telemóvel de Dasha iluminou-se com fotos de dezenas de russos excitados quando ela definiu a sua localização para Kharkiv, no Tinder, ontem”, avançou o tablóide. “Acredita-se que os soldados entraram no alcance” da jovem “depois de os comandantes do Presidente russo terem ordenado um enorme influxo de tanques e tropas a uma curta distância da cidade”.

Em declarações ao i, Dasha disse que vive em Kiev, porém mudou a localização após ter sido alertada, por uma amiga, para aquilo que se estava a verificar. Isto é, a presença “da tropa russa em todo o Tinder”. “Honestamente, não consegui acreditar naquilo que os meus olhos viam quando vi dezenas de militares a tentarem parecer durões e simpáticos ao mesmo tempo. Por exemplo, um rapaz musculado estava a posar numa cama com a pistola. Achava que estava sensual!”, observou a ucraniana, mencionando que “outro estava com equipamento de combate russo completo e outros apenas exibiam em coletes apertados”. 

“Como disse ao The Sun, não achei nenhum deles atraente e nunca consideraria dormir com o inimigo. Automaticamente deslizei para a esquerda para rejeitá-los, mas havia tantos que fiquei curiosa e entrei numa troca de mensagens”, confessou Dasha, que fez ‘swipe left’ até se deixar levar pelo ‘swipe right’. “Foi engraçado, mas assustador ao mesmo tempo, pois sabia que eles estavam muito perto”. Exemplificando, naquilo que diz respeito a Andrei, de 31 anos, o mesmo podia ser visto a posar com a Kalashnikov em riste, o equipamento de combate completo e um capacete. “Onde é que estás? Estás em Kharkiv?”, perguntou, recebendo como resposta: “Claro que não estou em Kharkiv, mas estou perto – 80 km”. “Planeias vir visitar-nos?”, questionou alegadamente com inocência, tendo o seu interlocutor respondendo: “Iria com prazer, mas os russos não são bem-vindos na Ucrânia desde 2014 [quando as forças pró-russas tomaram Donbass e anexaram a Crimeia]”.

“O que é que fazes?”, questionou a ucraniana. “Nasci em Belgorod e fui engenheiro antes de 2014. Visitei bastante Kharkiv e adorei tanto que queria comprar um apartamento. Adoro viajar até à Ásia, principalmente para a Tailândia. Mas agora é um momento difícil. Eu queria viajar para a Europa, mas conseguir um visto é difícil porque ninguém gosta da Rússia agora”, declarou o militar. 

Enquanto ‘Black’ partilhou a fotografia em que era visto a segurar a pistola e outra com um gatinho ao colo, Alexander, de 29 anos, posou de boina com os seus óculos escuros enfiados no colete azul e branco. Já Gregory, de 25, parecia ansioso para mostrar o seu relógio militar, tal como Dasha reforçou antes de falar de Alexander, de 31 anos.
Na ótica da produtora, era um possível espião russo, tendo revelado que estava a exercer funções no “Ministério de Assuntos Internos da Federação Russa”. “Estes rapazes são iguais a qualquer outra pessoa no Tinder – querem amor ou companheirismo”, afirmou, a partir de um corredor do apartamento onde se abriga com a gatinha Houston, que padece de problemas cardíacos e não podia ir para um bunker, sendo que está atualmente em Leipzig, na Alemanha, em casa de um amigo.

“É por sermos todos tão parecidos que é difícil imaginar que eles virão atacar-nos. Espero que isso não aconteça”, esclarecera ao jornal inglês uma semana antes, na véspera de o Presidente russo, Vladimir Putin, ter anunciado o início de uma operação militar. “O nosso primeiro instinto foi ajudar financeiramente, doando, contratando, etc. Depois disso, estávamos apenas a procurar outras maneiras de ajudar. A magia das ideias e, especialmente, desta, é que aconteceu connosco tanto quanto fizemos acontecer”, afirma Alex, explicitando que o nome da campanha foi criado pelo produtor de conteúdos Jakub Jurica. 

“Estávamos a preparar o site e a procurar um domínio. Ele disse: ‘Olhem, Putin chama a esta guerra ‘operação militar especial’… Se calhar, devíamos denominar a nossa campanha de operação especial de amor. Todos nós adoramos, por isso, ficou decidido”, avança, acrescentando que, quando divulgaram a ideia, não refletiu muito acerca da mesma. 
“A ironia é que, logo após o lançamento do site, parti para a Roménia para visitar a minha mãe que mora a cerca de 1 quilómetro da fronteira com a Ucrânia. Quando voltei para a Eslováquia, os meus colegas disseram que a nossa ideia se tinha tornado viral. Foi muito surreal. Recebemos mensagens do mundo inteiro”, sublinha o impulsionador do projeto que assume ser criado por um grupo independente de profissionais criativos que não estão afiliados a nenhum partido político, governo ou organização não-governamental.

“O objetivo principal é tentar quebrar a barreira da censura russa. Se pudermos fazer isso, mesmo que em pequena escala, então tudo terá valido a pena. Sou idealista o suficiente para acreditar que nem todos os russos são tão desumanos quanto Putin. Se virem o que realmente acontece, questionar-se-ão. Se virem a tragédia, não ficarão indiferentes”, finaliza Alex, sendo importante mencionar que existem várias redes sociais às quais a população russa não pode aceder.
Por exemplo, no dia 14 de março, foi anunciado que o Instagram integrara a lista de sites com “acesso restrito” publicada pelo regulador russo de telecomunicações Roskomnadzor, juntando-se às redes sociais Facebook e Twitter e a vários órgãos de comunicação social críticos do poder russo. Recorde-se que o Roskomnadzor já tinha ameaçado restringir o acesso ao Instagram na Rússia, após a Meta ter asseverado que permitiria, aos utilizadores da rede social em alguns países, a publicação de apelos à violência contra Putin e o exército russo.

Quando a Rússia bloqueou a rede social, no início de março, em causa estariam, de acordo com o mesmo órgão, 26 casos de discriminação contra os media russos por parte do Facebook desde outubro de 2020, entre eles a limitação do acesso a canais estatais como o RT e a agências de notícias como a RIA.

As restrições das contas, segundo o Rozkomnadzor, incluíram a marcação do seu conteúdo como não credível e a imposição de restrições técnicas nos resultados de pesquisas, para reduzir as suas audiências das publicações no Facebook. E, como o i veiculou, foi mais longe ao afirmar que o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo e o Ministério Público de Moscovo consideraram o Facebook “cúmplice na violação de direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como na de direitos e liberdades de nacionais russos”.

Segundo os últimos dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), conhecidos ontem, pelo menos 953 civis – 192 homens, 142 mulheres, 12 raparigas e 16 rapazes, para além de 40 crianças e 514 outros adultos, sem especificação de género – foram mortos e 1.557 feridos na Ucrânia desde o início da invasão russa, a 24 de fevereiro.

Dos 1.557 feridos, 171 são homens, 132 mulheres, 23 raparigas e 19 rapazes, para além de 63 crianças e 1.149 adultos cujo sexo não foi determinado. Por outro lado, naquilo que diz respeito aos territórios controlados pelo governo de Kiev, sabe-se que estão assinalados 216 mortos e 611 feridos, enquanto nos territórios controlados pelas repúblicas separatistas da região de Donbass foi apontado um total de 251 baixas entre civis, 55 mortos e 196 feridos. Em regiões da Ucrânia sob controlo governamental (cidade de Kiev e regiões de Cherkasy, Chernigiv, Kharkiv, Kherson, Kiev, Mykolaiv, Odessa, Sumy, Zaporijia, Dnipropetrovsk e Jitomir), um total de 1.432 civis foram vítimas deste conflito (682 mortos e 750 feridos).