por José Maria Matias
Aluno do mestrado de Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Nova de Lisboa
A Europa viu-se a braços novamente com uma Guerra. Percebe-se que esta terá efeitos duradouros que irão colocar em causa a ordem internacional. Este conflito fortaleceu a incerteza sobre o futuro da ordem que posicionava os EUA no centro mundo, como uma superpotência hegemónica legitimada a gerir focos de conflito no estrangeiro. Esta realidade poderá evoluir para um quadro de disputa entre a potência existente, os EUA, e a potência em ascensão, a China ou, tendo em considerando as consequências da ofensiva de Moscovo sobre Kiev, podemos estar perante uma ordem internacional multipolar com vários atores de relevo, entre os quais a União Europeia, que será obrigada a ser mais assertiva no futuro, a Índia e possivelmente o Brasil. Põe igualmente em causa a forma como o Ocidente lidou com a Rússia e com a China, acreditando que através da interdependência económica e de recursos, ambos acabariam por se converter aos valores da democracia, do estado de direito e do respeito pelos direitos humanos. Tal não aconteceu. Se quando a China aderiu à Organização Mundial do Comércio há mais de 20 anos, se acreditava numa política de relações levada a cabo através de pequenos passos progressivos de integração que conduziriam o mundo a uma ‘paz perpétua’, hoje, tal pensamento resfriou e as narrativas maniqueístas, sendo por vezes até cínicas, consolidaram-se. No fim de 2021, Biden convocou um grande encontro entre todos os países que aos olhos dos americanos seriam considerados democráticos, com o objetivo de isolar a China e a Rússia. Convidou o Paquistão, que se absteve recentemente no voto de condenação da ação russa sobre a Ucrânia na Assembleia Geral da ONU, mas excluiu a Hungria, o mesmo país que a par da Polónia, tem sido incansável no acolhimento de refugiados ucranianos. Este tipo de contradições tem sido recorrente sendo que a China e Rússia olham para este duplo critério como um sinal de falso moralismo, hipocrisia e até, de declínio americano. Como tal, não é de estranhar que a aversão ao Ocidente só venha a aumentar no futuro.
Percebe-se também com uma maior clareza que nem sempre os interesses dos EUA vão de encontro aos dos europeus. Pelo menos pela primeira vez, vemos franceses e alemães a compreenderem que não podem continuar dependentes da América.
Apesar deste mundo que vem de uma pandemia, de uma guerra na Europa, de uma profunda mudança do panorama internacional, dos vários países europeus que fazem as suas próprias reflexões, ainda não vimos em Portugal um debate sério sobre todos estes assuntos. As consequências do conflito na Ucrânia já se fazem sentir por cá de uma forma brutal e avassaladora. Depois de expostas as fragilidades do país nos últimos dois anos, que demonstraram como estamos cada vez mais dependentes do exterior e sem capacidade de decisão, a sociedade portuguesa não parou para refletir, ou então, não o quer fazer.
Será que face às atuais circunstâncias mundiais, Portugal deve repensar a sua posição no Mundo e na Europa? Devemos garantir a soberania energética e alimentar? Continuaremos a colocar a nossa sobrevivência nas mãos de outros povos? Continuaremos, até quando, sem falar do peso do capital chinês nas empresas portuguesas? E se chegar o momento em que tivermos de escolher entre o poder económico chinês e o alinhamento com o Ocidente? E se já for tarde para essa escolha? E por fim, estamos preparados para o mundo que nos espera quando abertas as portas de Kiev? E quantas outras perguntas devíamos estar a fazer e não fazemos.