O seu primeiro concerto em Portugal foi há 40 anos. Como se sente, mais uma vez, a voltar? Sinto-me maravilhosamente bem. Estou a tocar para pessoas de quem gosto muito, porque Portugal é a minha segunda pátria, sinto-me muito em casa e gosto das pessoas, da terra, da comida, tudo. Não tem assim uma coisa que eu possa dizer que realmente não gosto. O que não gosto é o que acontece em todas as cidades do mundo. Trânsito, alguma estupidez de alguém, problemas que todas as cidades grandes têm e que no Rio é igualzinho. Tirando essa parte, comum ao mundo, Lisboa para mim é casa. Eu tenho mesmo nacionalidade portuguesa, sou cidadão português.
Em 40 anos, o que é que acha que mais mudou nos seus concertos em Portugal. O que melhorou e o que piorou?
Eu acho que nada piorou. Continuo com um excelente público. Todos os shows que faço aqui são ótimos, graças a Deus. Nunca tive problemas que possa dizer que aconteceram porque nunca aconteceram. Sempre fui muito bem recebido, porque também trato muito bem o meu público. Subo no palco para dar o meu melhor e cativar as pessoas, para que tenham o prazer de ouvir a minha música. Sou um pouco perfeccionista. Tenho muita noção do quanto custa comprar um ingresso para ver um espetáculo, e tenho o maior respeito pelo público. Se eu estou aqui hoje, foi o público português que me colocou aqui, dou muito valor a isso.
Nestes anos, como sente que evoluiu a aceitação da música brasileira em Portugal?
A aceitação aumentou muito. Hoje, a música brasileira tocada em Portugal está muito mais diversificada. Por causa exatamente da velocidade da tecnologia e com que a informação chega às pessoas com a globalização. Hoje uma música faz sucesso no Brasil, faz na América Latina e nos países lusófonos. Há diversos géneros que não chegavam aqui, e começaram a chegar e fazer sucesso. Hoje, a gente divide o nosso trabalho com vários outros artistas. Mas a música brasileira continua a ser muito bem aceite aqui. Evidentemente que a música mais sofisticada, mais bem trabalhada, ela perdeu público – entre aspas – no mundo inteiro, mesmo no Brasil. Mas isso, muito mais por conta dos interesses comerciais. As empresas procuram lucro para pagar as contas, então vão na direção onde está mais rápido se fazer dinheiro. Evidentemente, ao mesmo tempo, a soma do acesso aos meios de produção cada vez mais tecnológicos e mais modernos das classes mais baixas, onde estão os grandes consumidores hoje, que fazem com que os artistas que atuam nessas faixas de público ganhem mais dinheiro, e lotem espaços com mais gente. No Brasil, ainda consigo colocar 5 mil pessoas numa praça pública, não consigo mais as 20 mil que colocava nos anos 80. Aqui em Portugal, não tenho a menor chance de colocar 5 mil pessoas numa praça pública, mas há que fazer as compensações. O público continua indo, e há muito público que não tem mais acesso às informações de quem está fazendo música boa, porque a internet não é media aberta em que chega para milhares de pessoas ao mesmo tempo. A internet é mais de tribos, de grupos, que depois tem o boca a boca e vai assim ‘Olha vai lá no sítio x, que tem lá um cara legal’ e passa de amigo a amigo. Nesse ponto, o acesso à música mais sofisticada tornou-se um processo mais lento. Mas existe público, muito bom, para esse tipo de música, para saber onde está, onde existe. Ainda assim, a coisa tornou-se um pouco mais lenta.
E nas suas relações com os artistas portugueses? Esteve ligado a Sérgio Godinho, Carlos do Carmo e Paulo de Carvalho. Mais recentemente, a ligação foi com o filho, Agir. Tem-se dado bem esta mudança de geração na música portuguesa?
Eu sou muito curioso. Gosto muito de tecnologia, sou meio cientista louco e tudo assim de novidade me interessa para saber onde me posso inserir e transformar numa fonte de criatividade. Quanto mais material novo eu posso usar a meu favor, com a minha musicalidade, interessa-me. Gosto muito de Hip Hop, de Rap, fiz até colaborações com Marcelo D2, com o Emicida… o facto de ter colaborado com o Agir foi uma maneira de eu poder me inserir e ver até onde consigo ir. Agora, vou fazer um trabalho com o Xamã. Esse trabalho, para mim, vai ser uma coisa espetacular, porque o Rap bem feito, com bons rappers, é muito bom para poder dar à música uma cara nova, uma mensagem nova, uma maneira nova de as pessoas se consciencializarem em todas as áreas da vida. Todos os processos amorosos e mais íntimos, como as realidades do mundo e política. Tem muito bons meninos fazendo isso, e aqui em Portugal também. Eu chegando agora [a Portugal], vou começar a entrar mais dentro dessa turma que está fazendo música nova. Estava atento ao que estava sendo feito no Brasil, agora vou acompanhar mais o que está a ser feito aqui. Vou-te dar um exemplo. Tinha um programa feito pelo Nuno Artur Silva, no teatro São Luiz, chamado “Palavra”, em que eram rappers e poetas declamando e havia convidados que faziam música. Combinava-se, com uma certa antecedência, com alguns desses rappers, fazer um rap dentro de uma canção conhecida. Como eu fiz com Começar de Novo. Cheguei, cantei um bocado e entrou um rapper português – que eu não me lembro mais o nome – muito bom, e fez um rap como se fosse uma segunda parte da música, e ficou sensacional. Ele pegou na Começar de Novo, que tem duas temáticas: uma morosa, da realidade da mulher que se separa, e tem a política, com efeitos exatamente ainda na ditadura. Ele percebeu as duas e fez um rap espetacular e eu saí dali impressionado, a pensar ‘Olha só como a música e o rap têm um casamento tão bom’. Agora, percebi isso com o Marcelo D2 e com o Emicida, que fizeram coisas com músicas minhas, fiquei deslumbrado, e falei: «Isso é uma nova forma de uma nova geração escutar uma nova música de um compositor antigo». Com o Xamã está-se a preparar um projeto de Bossa Nova com rap. Sucessos do João Gilberto com um rapper no meio, que vai ser o Xamã. É uma forma de levar para uma juventude uma música que fez sucesso há décadas. Essa linguagem vai ter uma sonoridade que não vai ser exatamente igual à original, mas haverá dentro dela, embutido, a instrumentalização. E vai criar um novo modelo, uma nova forma de se comunicar, qualquer tipo de música. Eu descobri que o rap dá para qualquer tipo de música: tango, bolero, tudo dá, porque é tudo texto. Eu estou assim apaixonado [risos].
Por cá, quer falar de amor. Como assim? Que histórias vai contar ao público português?
Quero falar de todas as formas de amor. É o amor da minha mulher, da minha família, ao meu país, aos meus amigos, à natureza, às coisas que me são importantes e que me levam até um sentimento realmente poderoso de afeto. São coisas que são o lado bom da vida, ter esses sentimentos e poder levar isso para as pessoas. O mundo já está muito violento, já tem tragédia de mais, então temos que começar a falar, mas não é «eu gosto de você, você gosta de mim», não é isso. É falar com consequência. Com textos bons, letras boas, aprofundar, para as pessoas entrarem mais e passar uma mensagem para que as pessoas possam sair leves do teatro, não carregando uma cruz nas costas. Quero que possamos falar. A letra dessa canção, que basicamente é inédita, Quero Falar de Amor, diz: «Quero falar de amor/Nesses tempos de ensandecer/Tempos de luta e dor/Não mais possíveis de se conter/Quero falar de amor/Nessas horas que Deus não vê». E assim vai. Vamos falando de amor com uma tremenda tempestade em cima de você. É hora de a gente falar, mas com consequência, e não uma coisa superficial.
O amor é, afinal, a raiz de tudo? É um tema que está na sua música desde sempre. Como é que, em 50 anos de carreira, há sempre material para continuar a escrever sobre esse assunto?
É, porque há várias formas de falar. Tem uma música que vai estar no roteiro que se chama Amor. Quando entreguei para o Vítor Martins, o meu principal letrista, falei: «Vítor, queria que começasse por Te Amo, e que fosse muito curta». Ele falou: «Porra, já se falou tudo, como é que vou começar assim?»; e eu disse: «Não, pensa aí». Ficou um mês para fazer, mas quando fez, ficou: «Te amo/ Meu Deus, como amar é bom/ Quem ama/ Bandeira, Cabral, Drummond, Quintana/ Encontra o seu bem querer/ Seu pé de oiti, de ipê/ Seu ninho de zabelê, ah/ Te amo», que são quatro grandes poetas brasileiros. Porra, comecei a chorar. Onde é que ele foi tirar isso? Ele conseguiu ter uma visão do amor que deu usando literatura. São essas coisas, essas formas de falar de amor, que ainda estão todas vivas… ainda não se falou tudo do amor. Por isso que falo que o português é o idioma mais rico do mundo. E a forma como nos envolvemos no idioma é tão rico. Não temos essa coisa de ficar em cima das mesmas palavras. Somos muito criativos, porque o nosso idioma nos dá essas ferramentas para que possamos viajar em cima dele. Por isso acho que o português é o grande idioma do planeta. Sou lusófono até à alma, e aproveitando para avisar que sou contra essa tentativa de botar tudo igual, a linguagem inclusiva. Porque mata a raiz. Como pode matar a raiz de uma coisa? É como uma árvore, não pode matar a raiz porque tudo o que cresce dela, morre. Nem nasce mais. O português de Portugal tem que estar vivo, muito vivo, fornecendo seiva para que o idioma se desenvolva em várias raízes e lugares, e cresça, e se vá tornando cada vez mais criativo, metafórico.
Ao longo da sua carreira, os seus temas têm sido adaptados por artistas internacionais. Não teme que, nas traduções e na mudança da língua, as canções percam os seus significados?
Perde mesmo. Passar para o inglês vai perder fatalmente. Nos Estados Unidos, eles rotulam tudo, e lá o letrista é profissional, é independente. Quando um grande produtor, como o Quincy Jones, pegou na música Começar de Novo, ele entregou-a para cinco ou seis letristas profissionais, que vão lá, fazem e cobram. Ganham para fazer letras ou versões. Entregou, disse de quais tinha gostado ou não e fica com uma. Eles usam o idioma de uma forma muito burocrática. A impressão que dá é que o dicionário músico-literário americano deve ter umas 30 páginas. Então fica tudo igual. É lógico que tem exceções, como o Bob Dylan, Joni Mitchell, Leonard Cohen… e muito boas exceções, mas a grande maioria, 90% da literatura musical americana é muito centrada em fórmulas que já deram certo, de forma muito repetitiva, e aí nós com essa ferve lusófona, este idioma maravilhoso, vai perder sempre.
Em Lisboa, a 7 de abril, que expectativas tem para o concerto?
Eu espero que nos vamos divertir muito. Eu sou muito intenso no palco, e dou o meu máximo. Tenho muito respeito pelo ingresso que as pessoas pagam para me ver, tenho a obrigação de dar o melhor de mim. Faço isso com muita intensidade. Vou oferecer ao público um espetáculo musical muito intenso, e tem várias canções que o público conhece e eu vou pedir para cantar junto comigo. É muito bom dividir. Eu adoro cantar as músicas que o público consagrou, e sou um pouco “indisciplinado” na forma como harmonizo a minha música. Eu mexo muito, toco as minhas músicas de formas diferentes, sempre criando alguma coisa nova. Sinto-me muito livre e dá-me muito prazer, o público não percebe mas divirto-me muito ali em cima. O que passo para eles é uma literatura consistente e criativa, e a música que faço, as minhas melodias, que são a minha paixão. Muita gente acha que sou um compositor de acordes, e harmonia, mas eu sou um melodista. Eu acho que a canção tem de ter começo, meio e fim. As pessoas quando cantam no banheiro, cantam melodia, não harmonia. O que tem que ficar é a melodia, esse é o segredo da boa música, a que fica com as pessoas. As harmonias são a Gucci, Armani, Dior, é o que veste. A modelo é a melodia.
Sempre foi um artista internacional. O que o fez procurar ir além do mercado lusófono?
O álbum Love Dance foi uma experiência que eu quis ter. Adoro experimentar coisas diferentes. Eu tenho um caderno cheio de projetos, as pessoas morrem de rir. Sou muito eclético. Não discrimino música, mesmo. Então tudo tem alguma coisa interessante que me possa interessar para criar e tirar uma fonte de criação. O Love Dance foi uma experiência nos Estados Unidos porque eu tinha o sonho de fazer um disco cantado em inglês. Achei o produtor na hora exata, tudo coincidiu, o Quincy Jones e eu já estávamos a fazer trabalhos juntos quando apareceu essa oportunidade. Aí o produtor falou: «Vamos fazer um disco cantado em inglês?», e eu fiquei só: «Meu Deus, caiu do céu» e fiz o projeto. Eu gostei, mas evidentemente que ao cantar num outro idioma, o resultado final para mim foi esse: não me senti tão à vontade como achei que me ia sentir, porque é aquela coisa de estar a cantar em inglês, e pensar que aquilo estaria a soar melhor se fosse cantado por um artista inglês ou americano. Eu adoro esse álbum como uma curiosidade, como um projeto realizado. Não é um disco ruim, tem arranjos muito avançados para a época, muito pujante, muito forte, mas não gostaria de fazer outro [risos] Prefiro fazer tudo no meu idioma e vender o meu idioma aos outros.
Que aprendizagens deixam 50 anos de carreira? Como se lida com os momentos menos bons? Aprende-se bem, mas falta muita coisa. É impossível achar que se aprendeu tudo, a gente não aprende tudo, não sabe tudo, a gente vai morrer com 30% do que seria possível aprender, principalmente para um tipo de pessoa como eu, muito curiosa, cheio de ideias. Não dá tempo, não vou ter tempo para fazer tudo o que eu quero, mas aprendi, por exemplo, a não ter medo de palco. Isso foi maravilhoso, e foi através de terapia. Fico um pouquinho nervoso, aquele apertinho na barriga, mas eu sinto que tenho capacidade para entrar na intimidade das pessoas, trazê-las para dentro da minha casa. Isso aprendi a fazer, e dá-me um prazer incrível compartilhar isto com as pessoas. Faço uma música nova e vou logo ligar aos meus amigos, à minha mulher, já quero mostrar para muita gente. Essa coisa de não guardar para mim próprio. Aprendi música e bastante coisa, mas acho que esse bastante ainda é 30% do que poderia aprender.
Curioso. O que opina sobre esses artistas que guardam para si as suas obras?
A minha primeira conclusão seria a insegurança. Outra forma seria também ter ciúme da própria música, porque tem medo que lhe roubem a harmonia, que iam descobrir aquele acorde que coloquei ali e será uma grande surpresa. Quando comecei, nos anos 60 e 70, havia um mercado negro de acordes. Eu aprendi a tirar no violão e no piano uma música do Milton Nascimento. Ia para as festas, levava, tocava uma vez e não tocava de novo, porque havia sempre alguém a perguntar que acorde era e eu não ia entregar o meu acorde, que eu tive o trabalho de tirar de ouvido. Ia entregar para alguém, para a pessoa ir usar o meu acorde? Não. [risos] Havia tráfico de acordes.
Voltando a esta questão da relação Brasil-Portugal… na sua opinião, de que forma se complementam os dois mundos musicais?
A música portuguesa, até metade dos anos 60, ela foi uma música muito escutada no Brasil, até teve o fadista Francisco José que vendia mais discos do que os primeiros colocados no mercado brasileiro, cantando o repertório da Amália com orquestra e tudo. A música portuguesa esteve muito forte desde que eu me lembro, portanto ali desde os anos 50 até metade dos anos 60 fazendo muito sucesso. Depois foi desaparecendo, e a música brasileira com a Bossa Nova, com Tropicália, movimentos de música brasileira, mais sofisticada, o mercado do país foi crescendo, todo o mundo começou a ganhar dinheiro e foi uma maravilha, porque, na verdade, não era só música portuguesa, era francesa, italiana, bolero, tudo fazia sucesso no Brasil, e aí essa música perdeu mercado, para a música americana – que nunca saiu de cartaz – e a música brasileira, que passaram a dominar 95% do mercado. A partir dos anos 80, quando houve a revolução dos Cravos em Portugal, nós vivíamos uma ditadura brava. O 25 de Abril começou a ser comemorado também no Brasil, onde havia colónias portuguesas, e eram patrocinados sempre pelas embaixadas e consulados portugueses, que eram território português. Os militares não podiam entrar nos teatros onde tinham esses eventos, e nós aproveitávamos e íamos cantar as músicas censuradas. Começou a criar-se um interesse muito interessante sobre a música portuguesa. Principalmente pelas músicas de intervenção. Foi um momento em que os Trovante fizeram sucesso no Brasil. O próprio Zeca Afonso participou num Festival da Canção, e ninguém entendeu nada daquilo, porque era um festival muito popular, mas a inteligência brasileira pegou ele para teatros pequenos para cantar e lotava. Criou-se muito interesse na música portuguesa. Foi um momento em que praticamente anunciou que voltaria, mas não voltou. Quando acabou a ditadura, voltando a democracia, a coisa sumiu. E agora sim, voltou, recentemente, de há 10 anos para cá, veio novamente crescendo. E hoje é uma música muito querida no Brasil. O fado voltou com força, mas deve-se à qualidade dos fadistas e das composições. O Brasil é muito eclético. Em Portugal, o culto da voz é muito forte, então se você tem uma voz muito estranha ou não está próxima dos padrões, é complicado seguir adiante em Portugal. No Brasil, como tivemos a experiência da Bossa Nova, em que muita gente que não sabia cantar começou a cantar, e fez sucesso, ficou aquela coisa de ver quem é que tinha algo diferente. Normalmente, eram pessoas que não cantavam muito bem. No Brasil, não temos essa cultura de se a pessoa tem voz bonita ou não, tem que ter uma mágica, algo a mais, que vem mais da personalidade do artista do que da voz dele. Hoje, no Brasil, pega o António Zambujo e lá lota todos os lugares onde vai. A Carminho, a Mariza… A Raquel Tavares, infelizmente não quer cantar mais. Ela fez dois concertos no Rio, eu fui ver, e ela engoliu aquela plateia toda. Para mim é a que mais poderia arrebentar no Brasil. Eu produziria três discos para ela e ela poderia competir com Betânia, porque tem todos os requisitos para agradar o brasileiro. A Mariza também. Aqui [em Portugal] tem cada intérprete… eu fico chapado. Mas sou suspeito porque adoro a música daqui, por exemplo, do Alentejo, do Norte. Tem coisas incríveis e maravilhosas. Em Portugal, as pessoas não sabem o valor que tem a música portuguesa, a sua qualidade. Eu espero ter oportunidade de poder ajudar mais nesta área. Falo muito bem da música portuguesa sempre onde vou, e agora há um produtor americano que vem fazer produção cá com artistas portugueses, que é o John Beasley. Ele produziu agora um disco com a Sofia Hoffmann, que toca cítara, e bem. E eu dei-lhe algumas dicas sobre o disco dela. E porque é que ele [John Beasley] resolveu vir cá? Nos Estados Unidos, a grande causadora disso foi a Mariza, tem um grande público lá, o fado começou a ser falado. Tem a Maro… o Quincy Jones pegou ela. Essa forma de cantar, o melisma, que é muito ibérico, tornou-se muito apreciada lá. Essa forma como os portugueses cantam, porque é uma maravilha, essa coisa moura. E só tem aqui e em Espanha, e mesmo em Espanha já é mais árabe ainda, mais flamenco. O resto é só aqui que tem, não consigo ver em mais lado nenhum. E eu acho isso maravilhoso. Quando de repente pega uma música alentejano, com instrumentos acústicos e modernidade, só com um pouco de tecnologia, já se faz. No outro dia estava a ouvir os Tambores de Lisboa. É um trabalho magnífico, vou fazer um disco e vou chamar eles, gostaria muito de trabalhar com eles. A música portuguesa é o máximo, vocês estão dormindo no ponto.
Há um detalhe que não deixo de achar curioso: o seu pai era militar, e é formado em química industrial. Como é que acabou por envergar pela música?
Não veio de nenhum desses lados. Veio de um gene que entrou no meu DNA. O meu pai é muito musical, ele canta sempre muito afinado e tem bom ritmo, a minha mãe também era, tocava piano, mas sempre com partitura. Sempre foram muito musicais. Juntou os dois genes e veio pesado, carregado, para mim. É a facilidade como eu percebo a música, de me inserir dentro dela e descobrir as coisas com mais facilidade do que as pessoas comuns. É daí que veio a música, é genético. É esse gene maravilhoso que eu cuido muito.