De repente, a urgência frenética que nos fazia querer resolver o mais depressa possível esta grandessíssima estucha que eram os dois jogos do play-off que conduziam às areias do Qatar, desaguou numa notável pasmaceira de percebermos que ainda faltam sete meses e tal para que o Mundial tenha o seu início e estarmos, neste momento, a traçar perspectivas sobre aquilo que nos irá acontecer nos próximos meses de novembro e dezembro torna-se de uma vacuidade tal que até Fernando Santos encolheu pacientemente os ombros quando foi confrontado com uma pergunta nesse sentido.
Por Deus! É uma infinidade! O que andarão a preparar essas divindades que vivem lá no céu intocável dos seres inacessessíveis neste tempo que falta percorrer até lá? Ninguém saberá dizê-lo. Ninguém poderá adivinhá-lo. O desígnio foi cumprido. Portugal percorreu o seu caminho das pedras, libertando-se dos escombros, e na passada noite de terça-feira, nas Antas, atirou para o fundo do poço do olvido o último obstáculo que o separava desse Campeonato do Mundo que se desenrolará no Golfo Pérsico, lugar onde encontrei vestígios das antigas fortalezas de Albuquerque, das vizinhanças de Ormuz às praias do Omã e à ilha do Bahrain.
Ninguém poderá sublinhar que o trabalho foi feito com excessos de dificulade, até pelas fragilidades evidentes, e postas escandalosamente a nu pelos nossos adversários. Turquia e Macedónia (do Norte) estão, neste momento, a uma distância qualitativa da selecção nacional que daria para ir e vir a Marte num passada só. É verdade, no entanto, que resolvemos facilitar no primeiro jogo, permintindo, depois de um mais do que tranquilo 2-0, que os turcos reduzissem e estivessem à beira de empatar às custas de um penalti eivado de infantilidade. Bural Yilmaz, que entretanto se despediu da sua equipa nacional, fez-nos o grandessíssimo favor de chutar a bola de encontro a uma nuvem passageira que sobrevoava, nesse momento, o Mercado Abastecedor. E a Itália, revelando uma total falta de respeito pela sua história, fez-se degolar em casa pela Macedónia do Norte, deixando tudo por decidir entre portugueses e macedónios.
Dez minutos.
Vieram para o Porto de peito ancho aqueles que são descendentes de Alexandre-O-Grande. Durante dez minutos, durante apenas dez minutos, deram a sensação de que queriam disputar o jogo pelo jogo, no campo todo, com armas idênticas às nossas. Rapidamente, o bluff foi desfeito. Sem criarem sequer uma oportunidade de golo, o atrevimento saiu-lhes pela culatra. Das três ou quatro vezes que procuraram invadir o meio-campo português com cinco ou seis unidades, foram violentamente decepados pelos contra golpes assassinos da Menina Veneno em que se transformou a selecção de Portugal.
No meio desses movimentos homicidas, reapareceu, inesperadamente Flash Gordon vestido de Bruno Fernandes, o homem a quem coube tirar proveito dos espaços que Cristiano Ronaldo deixou no centro da defesa macedónia de cada vez que se fez cair para as laterais ou recuou para que o seu companheiro do United ganhasse balanço para correr para a baliza de um pobre Dimitrievski. Admito que haja quem já não saiba quem foi Flash Gordon, herói dos quadradinhos e séries televisivas da minha infância. Flash, nascido da imaginação de Alex Raymond, jogador de pólo, o homem da rapidez incontrolável que viajava à velocidade da luz entre a Terra e o Planeta Mongo. Foi certamente a trezentos mil quilómetros por segundo que Bruno surgiu isolado na área macedónia para fazer os dois golos de Portugal. Dois golos que nos transportam, agora, para o Planeta Qatar onde, daqui a muito, muito tempo, terá início mais um Campeonato do Mundo para o qual não vale, neste momento, estar a traçar predições tanta água correrrá entretanto por debaixo das postes. O passo está dado. Resta agora esperar…