Mariupol parece um fantasma de si mesma, mostram as mais recentes imagens de satélite da Maxar, a única maneira de sabermos o que se passa nesta cidade cercada pelas tropas russas, com as comunicações cortadas, onde civis têm estado sem acesso a água, comida, eletricidade ou medicamento. Mas Vladimir Putin, durante uma chamada telefónica com o seu homólogo francês, Emmanuel Macron, na quarta-feira, exigiu a rendição como condição para parar de bombardear a cidade, quando intimado a permitir uma total evacuação da população.
Se Macron declarou que Putin mostrou que “ia pensar” sobre a sua proposta, o relato da sua conversa feito pelo Kremlin não o indica. “De maneira a resolver a difícil situação humanitária nesta cidade, os militantes nacionalistas ucranianos têm de parar de resistir e depôr as suas armas”, terá respondido o Presidente russo. Que não perde uma oportunidade de lembrar que entre os defensores desta cidade estão forças como os neonazis do batalhão Azov, com os quais justifica a sua invasão da Ucrânia.
Por mais que a comunidade internacional implore a Putin que cesse o cerco a Mariupol, não há grandes esperanças que o faça. Se o Presidente russo, que já tem forças no interior da cidade, está disposto em fazer as suas tropas enfrentar os horrores do combate urbano – sabendo que em cada janela pode estar um atirador e que cada ruína pode virar fortaleza – é porque os seus sonhos passam necessariamente por aqui.
Mariupol não só tem o azar de ser a chave para controlar o mar de Azov, como fica mesmo no meio do corredor que o Kremlin sonha criar entre as suas conquistas de 2014, os territórios separatistas de Donbass e a Crimeia. Mas em tempos esta cidade foi mais que isso.
Entre estepes e pequenas vilas mineiras soviéticas, “Mariupol é à beira mar, consegues sentir a mudança no ar”, explicou Jack Losh, um jornalista que passou anos apaixonado pela cidade, à conversa com a Vox. “As pessoas desciam à praia, para ir apanhar banhos de sol. Havia um toque quase mediterrânico”, relatou. “Os meus amigos de Mariupol sempre a descreveram como um cidade muito mais liberal, onde se preferia a marijuana ao álcool. As pessoas gays encontravam uma atmosfera mais permissiva num país bastante homofóbico”, continuou.
Estando Mariupol a uns meros 15, 20 km da linha da frente em Donbass, ouviam-se ecos da guerra, “mas até recentemente parecia muito distante, bastante pacífica”, contou Losh. Hoje, as imagens de satélite mostram que bairros residenciais inteiros da cidade foram reduzidos a escombros. E continuarão a ser devastados, até que os ucranianos se rendam, ou os invasores os derrotem, assegurou Putin.
Entretanto, o Presidente russo continua decidido em insistir na sua retórica de que invadiu o país vizinho para proteger russófonos de atrocidades por nacionalistas ucranianos.
O facto de só uma pequena parte dos refugiados da Ucrânia estarem a fugir para a Rússia – ate agora foram pouco mais de 270 mil, segundo a ONU, o grosso tem seguido para outros países como a Polónia ou Roménia – certamente não lhe cai nada bem. Daí que o Kremlin tenha decidido mudar isso, nem que para tal tivesse de deslocar milhares de ucranianos contra a sua vontade, denunciou o Governo de Kiev. Apontando que 5 mil pessoas foram levadas pelos invasores para os campos no leste de Mariupol, e 40 mil ucranianos foram transportados para território russo. “Fomos todos levados à força”, confirmou um desses refugiados à BBC.
Quatro milhões de refugiados Enquanto a comunidade internacional assiste à tragédia em Mariupol, mais de quatro milhões de ucranianos já fugiram do seu país desde o início da guerra, anunciaram as Nações Unidas na quarta-feira. Nem sequer parece possível que a União Europeia reaja com sanções contra o grande financiador da máquina de guerra russa, o setor energético. Aliás, pelo contrário, o próprio Putin mostrou-se tão confortável que ameaçou cortar a torneira do gás natural russo à Europa, se este não fosse pago em rublos.
O Presidente russo justificou que a exigência era porque “em violação de normas da lei internacional, as reservas estrangeiras do Banco da Rússia foram congeladas”. Face a isto, o Governo da Alemanha, particularmente dependente de gás natural russo, até se viu obrigado a pedir aos seus cidadãos que racionassem o seu gasto de energia.
“Cada quilowatt/hora conta”, declarou o ministro da Economia alemão, Robert Habeck, na véspera do prazo imposto pelo ultimato de Putin, que terminava esta quinta-feira. “Temos de aumentar as medidas preventivas para estar preparados para uma escalada da parte da Rússia”, admitiu Habeck, horas antes de o Kremlin se decidir a aceitar os euros da Alemanha.