Mais uma vez, a promessa do Kremlin de um cessar-fogo temporário em Mariupol, de maneira a que os até 170 mil civis ainda presos na cidade consigam escapar, foi quebrada, acusou o Governo da Ucrânia, esta quinta-feira. E tem ficado cada vez mais claro que uma outra suposta demonstração de boa vontade da Rússia, a garantia de que ia reduzir drasticamente a atividade militar a norte de Kiev, foi sobretudo resultado de um cálculo estratégico, com as forças russas a aproveitar para reagrupar na região, perante sucessivos contra-ataques das tropas ucranianas.
“O inimigo continua a destruir, com bombardeamentos aéreos, o que sobra da infraestrutura da Mariupol”, acusou a vice-primeira-ministra da Ucrânia, Iryna Vereshchuk, no mesmo dia em que os russos tinham garantido que iam permitir a criação de corredores humanitários, segundo anunciaram no canal estatal russo Zvezda, esta quarta-feira.
A continuação dos bombardeamentos em Mariupol é algo que torna impossível que os civis se sintam seguros o suficiente para sair dos seus abrigos e fazerem-se à estrada, para escapar de uma cidade sob cerco, onde há combates urbanos e foi cortado o acesso a água, comida, luz ou medicamentos.
Já basta o risco de no caminho para Zaporizhzhia, o mais comum destino de quem foge de Mariupol, a umas três horas e meia de viagem, terem de cruzar postos de controlo russos – ainda há dias um vídeo revelado pela ZDF mostrava um carro onde seguiam pais com o filho de seis anos a ser alvo de tiros, nos arredores de Kiev, acabando o pai por ser executado com as mãos no ar.
Segundo a vice-primeira-ministra ucraniana, o único corredor aberto pelos russos foi rumo a Berdyansk, uma cidade sob o seu controlo. Foi aí que na semana passada um navio expedicionário do Kremlin foi destruído, como mostram vídeos espetaculares que se tornaram virais.
Vereshchuk deu a entender que o facto de Berdyansk estar sob controlo russo bloquearia a operação de resgate do seu Governo, que enviou 45 autocarros para ir buscar civis a Mariupol. Em Berdyansk, o sucesso da evacuação “depende exclusiva e completamente da Rússia, porque não há nenhumas tropas ucranianas lá”, frisou.
A vice-primeira-minista alertou que há pelo menos cem mil civis a precisar de ser imediatamente retirados de Mariupol – sobretudo idosos e pessoas com deficiência, aqueles que entre os quase 500 mil habitantes que costumava ter a cidade não conseguiram fugir – e apelou ao Kremlin que se lembre dos “compromissos que fez ao mundo”.
“Rússia tem mentido repetidamente” O valor da palavra do Kremlin já foi mais bem considerado. “A Rússia tem repetidamente mentido sobre as suas intenções. Por isso só podemos julgar a Rússia pelas suas ações não pelas suas palavras”, declarou o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, esta quinta-feira. Nem sequer se referia às sucessivas garantias de Vladimir Putin, nas semanas antes da invasão, de que nunca atacaria a Ucrânia. Falava das promessas russas de diminuir drasticamente as suas operações militares a norte de Kiev, supostamente para fomentar confiança mútua durante as negociações em Istambul.
“De acordo com as nossas informações, unidades russas não estão a retirar-se, mas a reposicionar-se”, declarou o secretário-geral da NATO. Que acusou o Kremlin de manter a pressão sobre a capital ucraniana e de mostrar “pouca vontade” de chegar a um acordo de paz.
Ainda no dia anterior o Pentágono estimara que apenas uns 20% das tropas russas nos arredores se tinham afastado de Kiev, mas que nenhumas estavam a voltar a casa, mas sim para a Bielorrússia, indiciando que estariam a descansar e reorganizar antes de voltar ao combate, talvez noutra frente. Parte dessas tropas saíram de Chernobyl, a meio caminho entre a Rússia e o leste da capital da Ucrânia, que foi praticamente abandonada pelas forças russas, anunciaram as autoridades nucleares ucranianas, na quinta-feira.