António Ramalho promoveu uma nova vida para o novobanco e parece ter levado esta máxima à letra até para si próprio: anunciou a sua saída da liderança da instituição financeira no verão – o seu mandato só terminava em 2024 – garantindo, no entanto, que irá «apoiar o processo de transição para o seu sucessor». Caberá ao maior acionista do banco – a Lone Star, que detém 75% – encontrar substituto e, ao que o Nascer do SOL apurou, já terá recorrido a uma consultora externa, que também tem sido responsável por outras contratações.
A saída do ainda CEO surge depois da instituição ter conseguido finalmente voltar aos lucros. Em março deste ano, António Ramalho garantiu ao nosso jornal que 2021 tinha sido o ano do virar de página e de rentabilidade positiva: «Um ano de marcos históricos, com o regresso aos mercados financeiros, uma nova marca e do novo modelo de distribuição. Os quatro trimestres de lucros consecutivos revelam um crescimento sustentável do modelo de negócio, para continuar a apoiar as empresas e as famílias portuguesas».
Mas, apesar deste resultado, o banco revelou que iria pedir mais 209,2 milhões de euros ao Fundo de Resolução. Isto porque o contrato com o Lone Star estipula um rácio de 12%, que não será cumprido caso não seja levada a cabo esta nova injeção. Recorde-se que o mecanismo de capital contingente foi criado em 2017, aquando da venda do Novo Banco pelo Fundo de Resolução ao fundo norte-americano Lone Star. Este mecanismo visa proteger o novobanco das perdas registadas num conjunto determinado de ativos problemáticos herdados do BES, vigorando até 2026. E, ao abrigo deste acordo, o Fundo de Resolução ficou obrigado contratualmente a compensar o novobanco num montante que poderá ascender, no máximo, a 3,89 mil milhões de euros. Até à data, já foram realizadas injeções no valor de 3,4 mil milhões.
O Fundo de Resolução chegou a garantir que «não é devido qualquer pagamento» por conta dos resultados do ano passado. «Apesar da insuficiência de capital apurada pelo novobanco, os dados disponíveis confirmam o entendimento do Fundo de Resolução de que, em cumprimento do acordo de capitalização contingente, não é devido qualquer pagamento relativamente às contas do exercício de 2021».
Uma situação que levou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a afirmar que, em «tempos de fim de pandemia ou de transição para a endemia e de guerra, dispensamos obras de Santa Engrácia», referindo que iria «aguardar a assembleia geral do banco, que está marcada para o final do mês de março, e depois a tomada de posse do Governo, para ver qual é a atitude do Governo e a posição do Fundo de Resolução».
Face a estas declarações, António Ramalho disse apenas: «Por educação e institucionalismo não comento palavras do senhor Presidente da República».
Tempos conturbados
O novobanco foi passando por vários desafios. Ativos não produtivos e passivos caros pesavam nas contas e impunham novas exigências de capital. Em 2015, contava com uma elevada exposição a imóveis (5,2%) e o nível de crédito não produtivo – em inglês, non-performing loan ou NPL –, em 2016 fixava-se nos 33%, quando a média em Portugal era se 17% e a da União Europeia era de 5%. A missão de recuperação era quase impossível.
A venda do Novo Banco, as entradas de capital e a criação do Mecanismo de Capital Contingente (CCA), permitindo não só a reestruturação do passivo como a limpeza do balanço, foram vitais.
Aliás, antes disso, as previsões de resultados foram sendo ultrapassadas num curto perído de um ano. Tal como o Nascer do SOL já tinha avançado, o projeto Hermes, em 2015, levado a cabo pela Societé Générale, apontava para prejuízos de 84 milhões nesse ano, mas a partir daí e até 2018 apresentaria resultados positivos: 180 milhões em 2016, 359 milhões em 2017 e 488 milhões em 2018. Feitas as contas, daria um lucro total de 943 milhões de euros.
Só que no final de 2015 foi detetado que o Novo Banco estaria financeiramente pior do que tinha sido inicialmente avaliado, o que levou a que o primeiro processo de venda caísse, em setembro desse ano.
Recorde-se que, na altura, o Banco de Portugal revelou que tinha optado por «interromper o processo de venda da participação do Fundo de Resolução no Novo Banco, iniciado em 2014, e concluir o procedimento em curso sem aceitar qualquer das três propostas vinculativas», considerando que «os termos e as condições das três propostas vinculativas não são satisfatórios e que o processo foi condicionado por importantes fatores de incerteza».
Uma situação que levou a que fossem retransmitidos dois mil milhões de obrigações do Novo Banco para o BES, com vista a garantir o capital da instituição financeira, e que exigiu por parte da Comissão Europeia a aprovação de medidas em relação à instituição financeira que fossem compatíveis com as regras das ajudas públicas – e que incluíam a extensão da data limite para privatização do banco (anteriormente estava fixado em agosto 2016), uma série de remédios/compromissos, a criação de um side bank e a extensão das garantias estatais para obrigações emitidas pelo banco.
Foi com este cenário em cima da mesa que arrancou o novo processo de venda e, no início de 2016, são anunciadas novas projeções, desta vez a cargo do Deutsche Bank, através do projeto Kairos e menos otimistas. Entre 2015 a 2018 foram apontadas perdas totais de 1.731 milhões de euros, em que só no último ano estão previstos lucros – prejuízos de 981 milhões em 215, 477 milhões em 2016, 318 milhões em 2017 e lucros de 45 milhões de euros em 2018.
Contas feitas, no prazo de pouco mais de um ano o Novo Banco deixa de ser um ‘Banco Bom’ para ser um ‘banco tóxico’ – que acabou por ser vendido em 2017.
E passou de uma previsão de resultados positivos acumulados para os primeiros quatro anos de 943 milhões de euros (projeto Hermes) para uma perspetiva de resultados negativos acumulados no mesmo período de 1.731 milhões de euros (projeto Kairos).
Só depois da venda do Novo Banco é que foi possível avançar com um processo de reestruturação até 2020: com a venda do banco legado e com o desenvolvimento do banco recorrente. E os resultados têm sido visíveis (ver cronologia ao lado).
Polémicas
A liderança de António Ramalho não escapou, no entanto, a críticas. A venda de imóveis ‘a preço de saldo’ foi uma dessas acusações, que foram sendo afastada pela atual administração ao que o nosso jornal apurou a estratégia de vendas individuais e em portfólio permitiu reduzir a carteira em 65% entre 2017 e 2020. Exemplo disso, é a realização de 73 operações e 36 mil milhões de imóveis vendidos entre 2016 e 2019 na Península Ibérica.
O projeto ‘Viriato’ é um dos mais conhecidos – em que foi contratada a Alantra Espanha que assessorou 57 transações no valor de 16 mil milhões entre 2015 e 2017 – mas foi acompanhado também pelo ‘Sertorius’, que receberam luz verde por parte do Fundo de Resolução e da Comissão de Acompanhamento do novobanco. Neste processo, foram concedidos direitos de preferência às autarquias de mais de seis mil imóveis concedidos, mas só foram exercidos cinco.
A par da venda de imóveis, o banco liderado por António Ramalho, por imposição da Direção-Geral da Concorrência (DG Comp), alienou e encerrou grande parte das duas operações no estrangeiro, a banca de investimento e os seguros. É o caso da GNB Vida à Apax Partners. O valor da operação foi de 168 milhões de euros. O valor de venda ascendeu a um preço fixo inicial de 123 milhões de euros acrescido de uma componente variável de até 125 milhões de euros indexada a objetivos de distribuição constantes do contrato entre o Novo Banco e a GNB Vida para distribuição de produtos de seguros vida em Portugal por um período de 20 anos.