A verdade oficial, aquela em que todos confluímos com esperança, é a de que esta guerra só pode ter uma solução política.
Não falta tudo.
Há intermediários, há negociadores, há telefonistas, há tudo.
Só falta o essencial.
Putin não quer um acordo, quer vingança, quer completar o plano.
Mariupol é, apenas, um pormenor.
E quando a parte russa e a parte ucraniana teciam loas às boas perspetivas e avançavam esboços de cedências mútuas, um pronunciamento do Chefe máximo do pessoal mínimo veio despejar um balde de gelo.
Na verdade, Mariupol não foi conquistada na guerra de 2014. Ficou um espinho.
Nada satisfará Putin sem a sua rendição.
Parece, até, ofensivo que a grande cedência de Moscovo seja permitir à Ucrânia a adesão à União Europeia. Ela, um país livre, pedir autorização não para integrar uma aliança militar mas para participar num espaço de cidadania, de liberdade de circulação e de economia comum.
Não percebo, verdadeiramente não percebo, como essas afirmações são feitas e se aceitam sem denúncia.
É como o extraordinário benefício de abrandar a pressão sobre Kiev e concentrar os esforços no Donbass. Ou seja, de repensar a ofensiva onde ela está a correr mal, refrescar as tropas e remuniciá-las, e rever a ordem de batalha.
No entretanto, intensificar o bombardeamento, aumentar as vítimas civis e a destruição, intensificar a pressão sobre os ucranianos.
Putin é isto mesmo. E não se diga que o mundo não teve tempo nem oportunidade para se preparar.
Deu o nó cego à Europa quando a tornou refém do abastecimento de gás.
Fê-lo com elegância. Schröder, de chanceler alemão, passou a presidente da Gasprom.
Realizou experiências militares bem sucedidas. Sem oposição.
Promoveu a aliança com a China. Pouco tempo antes da nova aventura ucraniana.
O mundo não acreditou.
E hoje percebe-se que a Rússia fará o que quiser com o beneplácito dela e a China fará o mesmo com a conivência da Rússia.
A nova ordem, o novo poder multipolar, é a desordem.
A questão não é ser ou não ser comunista. É aproveitar as vantagens do capitalismo de Estado e o modelo do Estado autoritário, sempre que possível com recurso a um nacionalismo exacerbado.
As democracias não podem competir com isto.
Até agora, Rússia e China e Índia eram grandes mercados e oportunidades. Abdicarão elas disso? Aceitarão a crise?
Trocarão o bem estar por aumento das despesas em defesa?
Há bem pouco tempo, a pandemia destapou outra vulnerabilidade. A maioria destes países livres deixou de produzir bens essenciais. Foi um sufoco.
De problema em problema, de surpresa em surpresa, de murro no estômago em murro no estômago, a visão que tínhamos desfaz-se.
A questão ucraniana é um grão de areia nas tempestades que se avizinham.
Se vai ser difícil a vida de cada um, a vida dos governos vai ser um tormento.
E, por mais que a sua constituição seja sólida, baseada na confiança pessoal, levando o partido para o Governo, o problema é que o primeiro-ministro pode cansar-se.
Quando Durão Barroso saiu, o país permitiu uma substituição à experiência.
Correu mal.
Hoje, podemos concluir que, se o equivalente acontecer, um governo que seria de maioria, por quatro anos, pode não viver mais de dois.
Foi claro o Presidente.
O mundo é outro.