Quem escolhemos ser quando temos a possibilidade de escolher quem queremos ser? Quem somos quando nos é dada a oportunidade de sermos outra pessoa? Será possível que sejamos ainda mais nós próprios? Que nos libertemos de barreiras e padrões previamente construídos e sejamos o nosso mais puro eu (ainda que com um nome falso)? Estas são algumas das questões que Marco Pedrosa faz pairar sobre a nossa mente quando assistimos ao espetáculo Amor e Redes Sociais.
O espetáculo vai na sua quarta edição, tendo o texto sido escrito em 2018, mas nem por isso perdido a sua atualidade. Marco Pedrosa, o encenador, explica à LUZ que o sucesso reside no facto de a peça estar «focada na influência que as redes sociais podem ter nas relações amorosas» e que, por isso, existem «vários dos sketches em que o público se revê e se sente identificado».
No decorrer da ação ficamos a conhecer Miguel e Susana (ele humorista e ela psicóloga), um casal cuja mulher se esforça, inicialmente, por reacender a chama que vê apagada. Contudo, os olhos postos nos pequenos ecrãs não permitem que a paixão volte a estar presente na vida dos ex-amantes, pelo menos não da maneira que esperavam.
A falta de comunicação, a tentação e a vontade de voltar a sentir coisas que parecem distantes podem acabar por trabalhar a favor de um possível take dois desta relação, mas apenas quando ambos decidirem que pretendem ser honestos um com o outro.
Esta não é a primeira peça em que vemos Marco Pedrosa e Michele Ribeiro a contracenar e também não é a primeira em que o encenador se debruça sobre o tema das redes sociais. Em Fake News – A Fábrica de Notícias, o enfoque é o mesmo e Marco explica porquê: «As redes sociais são neste momento um dos meios mais interessantes para comunicar e quem trabalha nesta área sabe da cada vez maior importância que estão a ter na comunicação de espetáculos e outros eventos».
E esta perceção que temos da realidade, uma perceção mais instantânea e menos (ou talvez mais) filtrada afeta-nos tanto no dia-a-dia como no que toca ao amor. A forma como nos expomos nas redes sociais, muitas vezes de uma forma que em pouco ou nada é semelhante ao que é possível percecionar no dia-a-dia, levou os internautas a questionarem se a pessoa que está do outro lado do ecrã é real. Para Marco Pedrosa, «as redes sociais tornaram as pessoas umas verdadeiras técnicas do corte e recorte de fotografia, aplicação de filtros, estudos de luminosidade, e já nem é preciso fazer cursos de photoshop ou tirar um mestrado de design».
Contudo, apesar de todas as possibilidades que as redes sociais nos oferecem, o encenador lembra aquilo que não pode ser substituído: «Brindar com os outros e ouvir o som dos copos a tilintar ou ir escalar uma montanha com amigos e perdermo-nos».
Como já vem sendo hábito nas peças de Marco Pedrosa, não é possível sair do auditório sem que se siga uma reflexão sobre o que acabamos de ver: Somos capazes de nos rever no Miguel e na Susana? Seriamos incapazes de viver uma relação como a deles? Estaremos tão ocupados com os nossos smartphones que vivemos como este casal e nem nos apercebemos?
A peça, que estará em cena até junho no Auditório do Museu da Farmácia, fala-nos de questões atuais com humor e uma quota parte de romance, sendo inevitável soltar uma (ou mais) gargalhadas logo aos primeiros minutos. Durante cerca de uma hora e meia somos absorvidos para um mundo que tem tanto de fictício como de real e convidados a ver o dia-a-dia deste casal que tão rapidamente é ‘eles’ como, de um momento para o outro, se torna no ‘nós’.