Tudo indica que este domingo França terá uma eleições presidenciais mais renhidas do que seria de esperar há uns meses.
Emmanuel Macron, que conseguira obter uma vantagem significativa nas sondagens em relação à sua principal adversária, Marine Le Pen, líder do Reunião Nacional, tem-na perdido rapidamente, dando por si apenas com mais 5% de intenções de voto que a dirigente de extrema-direita, segundo o Politico. Enquanto Jean-Luc Mélenchon, candidato da esquerda radical, cavalga nas sondagens, chegando ao terceiro lugar, esperançoso de, contra todas as expectativas, ir à segunda volta.
Por momentos, Le Pen chegou a estar em risco de nem sequer ser a candidata presidencial mais votada à direita. Deu pelo seu eleitorado mais centrista a ser cortejado por Valérie Pécresse, candidata de Os Republicanos, a direita tradicional, enquanto Éric Zemmour, um comentador acusado de um racismo e xenofobia ainda mais explícito que a líder da Reunião Nacional, atingia o seu flanco direito.
No entanto, ao longo das últimas semanas, Le Pen conseguiu dar a volta, parecendo unir o seu campo político. Mesmo face à invasão da Ucrânia, nem sua a ligação a Vladimir Putin parece tê-la travado.
As imagens da dirigente de extrema-direita a apertar a mão do Presidente da Rússia tornaram-se virais, enquanto a imprensa recordava como esta dirigente de extrema-direita apoiou a anexação da Crimeia, mais ou menos na mesma altura em que o seu partido recebeu um empréstimo de quase dez milhões de euros de um banco russo.
Alguns dos comentários de Le Pen, descrevendo Putin como “defensor dos valores europeus”, o “melhor estadista na Terra” ou um “verdadeiro patriota” não envelheceram bem. É algo que pode explicar a ligeira subida de Macron nas intenções de voto desde a invasão da Ucrânia, apesar deste ter passado semanas a prometer que ia convencer Putin a não atacar os vizinhos, chegando-se a gabar de o ter conseguido poucos dias antes do Kremlin atacar.
Contudo, desde então Le Pen, tão próxima de Putin, subiu ainda mais nas sondagens do que Macron. Assumindo que a invasão não é particularmente popular entre os franceses, isso indica que estes estão mais preocupados com as propostas dos candidatos para França do que com a sua política externa. E aí, Macron tem o problema de um dos seus principais eixos programáticos, o aumento da idade de reforma dos 62 para os 65 anos, ser altamente impopular.
Uns 70% dos franceses opõem-se a esta medida, indicou uma sondagem recente da Elabe publicada pelo Les Echos. Há uma correlação clara entre os candidatos presidenciais que mais têm ganho terreno ao longo das últimas semanas e a sua posição quanto à idade de reforma. Le Pen e Mélenchon opõem-se à proposta de Macron; Pécresse e Zemmour não.
Entre a arena internacional e “La France profonde”
Apesar de Macron continuar ser o expectável vencedor das eleições deste domingo, a sua vantagem torna-se cada vez menos confortável, deixando tudo em aberto na segunda ronda.
O Presidente francês bem tentou capitalizar com as vulnerabilidades de Le Pen no que toca à Rússia. Fez questão de se apresentar como uma espécie de rosto da Europa, chegando ao ponto de copiar o look de Volodymyr Zelensky – “cosplay de Zelensky”, troçou-se nas redes sociais, quando Macron se deixou fotografar com a barba por fazer e a usar uma sweatshirt das forças especiais – e a abandonar o trilho eleitoral para se desdobrar em encontros com líderes mundiais.
Já Le Pen apostou tudo na sua campanha pela “France profonde”, ou “França profunda”, deixando-se filmar à conversa com eleitores em zonas rurais, discutindo problemas quotidianos, como o aumento dos combustíveis. A líder do Reunião Nacional foi “visitando imensas pequenas cidades e aldeias. As suas viagens não receberam muita cobertura da imprensa nacional, mas tiveram um grande eco na imprensa local”, explicou Mathieu Gallard, investigador da empresa de sondagens Ipsos, ao Politico. Enquanto Macron se debruçava sobre os riscos da invasão russa para a arquitetura da segurança europeia, “ela deu uma impressão de proximidade, que é muito importante para os eleitores franceses”.
Já Mélenchon também tentou estar mais próximo dos franceses, mas de forma virtual, aparecendo como um holograma em 12 comícios em simultâneo, um pouco por todo o país, esta terça-feira. O candidato da França Insubmissa focou-se em propor aumentar o salário mínimo e repelir as tentativas da “monarquia presidencial absoluta” de Macron, como a descreve, de aumentar a idade de reforma.
Nova estratégia
Que Mélenchon se foque na economia não é novidade, mas no que toca a Le Pen marca uma viragem estratégica relativamente à sua campanha de 2017, onde acabou vencida por uma larga margem na segunda volta, com apenas 33,9% contra os 66.10% de Macron.
Desta vez, a candidata de extrema-direita não teve como foco da campanha os seus temas habituais, como segurança, imigração e o islão. Ainda que mantenha propostas como aplicar multas às muçulmanas que andem de hijab – “receberiam uma multa da mesma maneira que é ilegal não usar o cinto de segurança”, descreveu à RTL, esta quinta-feira, explicando que “a polícia é muito capaz de aplicar esta medida” – ou controlos mais rígidos nas fronteiras, o seu foco tem sido a economia.
Ao contrário de Zemmour, que deu por si constantemente a ser relembrado de que sonhou com um “Putin francês”, passando boa parte do seu tempo a negar ser fã do Kremlin, a líder do Reunião Nacional condenou a invasão russa e seguiu em frente, ignorando os ataques e concentrando-se em falar da insatisfação com o aumento do custo de vida. Sem nunca mencionar o papel da guerra levada a cabo pelo seu velho amigo na escalada dos preços.