O tempo, esse grande escultor

Há uma guerra com consequências, há uma crise inflacionista, há um agravamento dos custos da dívida pública. Se isto não oferece justificação para o repensar das medidas, não sei o que o fará. Continua a ser um Governo a jogar à defesa. Permanece pobre de ideias e de iniciativa, é limitado nos objetivos.

Deixemos a Ucrânia como tema. Todos sabemos como pode acabar. Mal.

Não são suficientes as sanções porque muitos se encolhem.

Não chegam as ajudas em equipamento porque há uma dilação grande entre a oferta e a entrega.

Não importa o primado do direito internacional porque é esquecido.

Não se respeitam os direitos humanos porque não interessa.

Fica-nos aquela recentíssima declaração do líder russo segundo a qual a intervenção foi certa e visa objetivos nobres.

Os russos do Donbass terão direito à revolta e à proteção. Os ucranianos dessa zona ganham passaporte para a Sibéria porque só aí estarão em segurança.

Como várias vezes ao longo da história aconteceu.

Como ali se concentraram os indesejáveis transportados.

As dachas da Crimeia são para os russos. O mar também.

Basta.

Há limites para a desfaçatez.

Regressemos ao nosso retângulo.

Quando se esperava um programa de Governo recheado de novidade, surgiu um prato requentado.

Claro que dizem respeitar o programa eleitoral. É uma forma de legitimação.

Mas a verdade é que tudo mudou, entretanto.

Há uma guerra com consequências, há uma crise inflacionista, há um agravamento dos custos da dívida pública.

Se isto não oferece justificação para o repensar das medidas, não sei o que o fará.

Continua a ser um Governo a jogar à defesa.

Permanece pobre de ideias e de iniciativa, é limitado nos objetivos.

O celebrado programa de apoio à recuperação deixa de ter a relevância anunciada.

Fica como tábua de salvação.

Tem a nobre missão de uma boia.

Reserva-se-lhe a função de servir de corredor humanitário.

Por ele, os portugueses sairão do sufoco mais pobres, mais depenados, mais longe dos outros.

É certo que parece, de novo, abrir-se a esperança do turismo.

Porém, mesmo aí, as notícias sobre o défice recorde da TAP queimam-nos os ouvidos.

Afinal serve para quê neste enquadramento? É motor ou trem de aterragem? Levanta voo ou desiste?

De um momento para o outro ficou menos loquaz o primeiro-ministro.

Fala com menos entusiasmo, repete as palavras e as ideias.

É certo que o Governo foi geralmente agressivo no debate na Assembleia. Ninguém se deve preocupar, é um reflexo condicionado, é a breca.

Mas, no geral das intervenções, mostra ser diferente.

Pedro Nuno Santos é uma sombra, o ambiente perdeu a barba e a agressividade da voz rouca.

Novidades? Interessantes.

O ministro da economia não deixa de configurar o gestor da Partex e o ministro das Finanças não despe a farda de Presidente da Câmara de Lisboa.

Uma foi alienada, outra foi perdida.

Parecem, parecem mesmo, ser as postas restantes.

Foi aprovada a proposta de orçamento, na mesma linha do programa. Depende…

E logo agora que a oposição se dividiu mais, a esquerda cristalizou, a direita está em obras e o PSD ameaça preparar-se para deixar de deitar barcos de papel no remanso das águas de um rio parado.

A maioria no Governo, finalmente a maioria!

Na pior altura.

Resta a aprendizagem, a tentativa, a procura do ritmo certo.

O tempo, esse grande escultor.

Do seu aproveitamento depende o êxito ou o fracasso.

Qual é o problema?

É que o Governo acha que o tem e Portugal pensa que o perdeu.