Nenhuma cidade ucraniana está segura, mostraram os ataques com mísseis contra Lviv, no oeste, que tinha sido até agora poupada ao pior da invasão russa. A cidade foi atingida nos primeiros momentos do conflito, tendo sido destruídas infraestruturas militares mas, pela primeira vez, houve ontem baixas civis. Cinco mísseis russos atingiram alvos militares, mas também numa garagem, num ataque que fez um total de, pelo menos, sete mortos e 11 feridos, denunciaram as autoridades locais. Enquanto isso, o Kremlin procura abrir caminho para a sua ofensiva no Donbass, anunciando bombardeamentos massivos que começaram domingo à noite.
Até ontem, a vida em Lviv prosseguia com uma certa normalidade, não fosse o enorme influxo de refugiados, centenas de milhares dos quais se instalaram temporariamente aqui, muitos deles em estado traumatizado com o que viveram no leste da Ucrânia. Chegaram a uma cidade que apoiava o esforço de guerra à distância, fosse enquanto ponto de passagem das remessas do armamento enviado por países membros da NATO, ou readaptando os negócios – como destilarias transformadas em fábricas de cocktails molotov, enviados para os defensores de Kiev, ou garagens que em vez de arranjarem carros passaram a converter armamento capturado aos russos, para ser usado pelos ucranianos.
A garagem atingida por um míssil esta segunda-feira continuava a servir exclusivamente a população, reparando veículos e vendendo pneus, assegurou Andriy Sadovyi, presidente da câmara de Lviv. “O que vimos hoje é genocídio”, reagiu, denunciando que quatro pessoas morreram neste espaço, os vidros de uma escola próxima foram estilhaçados, causando vários feridos, entre eles, uma criança. “É uma ação deliberada para matar civis pacíficos. Todas as nossas cidades e aldeias estão na mesma situação”, denunciou Sadovyi.
Terror estilo Bucha e blitz no Donbass O poderio militar russo caiu sobre Izyum, porta de acesso ao Donbass e ao Mar Negro, que foi ocupada no início de abril, transformando-o numa rampa de lançamento com o objetivo de cercar as forças ucranianas que estão na linha da frente em Lugansk e Donetsk.
Estima-se que entre 10 a 15 mil civis ficaram presos em Izyum, que costumava ter uns 46 mil habitantes, enquanto mais de 80% das áreas residenciais da cidade foram arrasadas. O grande receio é que, quando – ou se – os invasores se retirarem, o mundo se depare com um horror à semelhança do que se viu em Bucha, havendo relatos de que em Izyum as tropas russas têm listas de alvos a abater.
“Bucha e Izyum são muito parecidas”, lamentou o presidente da Câmara desta última cidade ocupada, Valerii Marchenko, ao Guardian, que escapou antes dos russos a conquistarem. Após os habitantes de Izyum passarem semanas escondidos nas suas caves, sem água ou eletricidade, deram com os russos à procura de “ativistas, veteranos da guerra no Donbass, agentes da polícia e donos de negócios locais. Se os encontrarem, são conduzidos para uma localização desconhecida e nunca mais se sabe deles”, contou Marchenko.
O facto de Vladimir Putin ainda esta segunda-feira ter condecorado a 64.ª brigada motorizada – gabando o “heroísmo, resiliência e coragem” de uma das unidades acusadas pela Ucrânia de participar nos massacres de Bucha – tem sido visto como sinal de que estes crimes foram programados e não apenas abusos cometidos por tropas fora de controlo.
Entretanto, Izyum está em alvoroço, “há muita maquinaria na cidade”, relatou o seu presidente da Câmara. Têm chegado forças vindas de Kiev e de Cherniiv, é bem visível que os russos “estão a concentrar as suas tropas, maquinaria e equipamento para avançar com o seu ataque no Donbass”, assegurou.
Naturalmente que, antes de um assalto terrestre às posições ucranianas em Donbass, onde a nata das forças ucranianas constrói fortificações e se prepara para uma ofensiva já desde 2014, é necessário primeiro atingi-las do ar.
Foi o que aconteceu na noite de domingo, assegurou o ministério da Defesa russo, ao revelar que foram atingidos centenas de alvos com artilharia, mísseis e bombardeamentos aéreos. Este ataque terá destruído 16 instalações militares, incluindo cinco postos de comando, bem como tanques e drones, usando mísseis Iskander para explodir quatro depósitos de armamento nas regiões de Luhansk, Vinnytsia e Donetsk.
Certamente que o Kremlin espera que as suas forças no Donbass, que ultimamente se dedicaram a tentar tomar as cidades de Kramatorsk e Sloviansk, sejam reforçadas em breve pelas tropas que têm estado a cercar Mariupol. Aqui os ucranianos já só controlam Azovstal, a maior metalúrgica da Europa, onde os defensores se escondem numa espécie de labirinto, entre fornos e maquinaria fabril.