por João Campos Rodrigues e Sónia Peres Pinto
Um dos apelos do Presidente Zelensky no seu discurso desta semana ao Parlamento português foi o boicote ao gás da Rússia. E o Nascer do SOL apurou que o Governo já está a trabalhar na construção de uma solução de abastecimento de gás natural liquefeito (LNG) ao Norte da Europa, por forma a permitir uma alternativa de fornecimento de energia a países
Um dos apelos do Presidente Zelensky no seu discurso desta semana ao Parlamento português foi o boicote ao gás da Rússia. E o Nascer do SOL apurou que o Governo já está a trabalhar na construção de uma solução de abastecimento de gás natural liquefeito (LNG) ao Norte da Europa, por forma a permitir uma alternativa de fornecimento de energia a países como a Alemanha ou a Polónia, dependentes do gás russo importado através do gasoduto Nord Stream.
O projeto, designado Frente Atlântica da Europa (mas que poderia chamar-se também ‘Miguel Torga’, por se basear na célebre frase do autor:«‘Os portugueses não transformam, transportam»), foi apresentado pelo ministro da Economia, António Costa Silva, ao primeiro-ministro, António Costa, e este aprovou-o imediatamente, dando instruções para o antigo presidente da Partex e, portanto, especialista em mercado de matérias-primas energéticas, desenvolver todos os esforços para a sua implementação.
Nesse sentido, já houve mesmo uma primeira reunião de trabalho para análise e discussão do projeto entre o ministro Costa Silva e os seus pares das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e do Ambiente, Duarte Cordeiro, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, e o presidente do Porto de Sines, José Luís Cacho.
Aproveitar o financiamento do projeto para o hidrogénio
A ideia de de Costa Silva passa pela construção de uma solução provisória até à construção de um gasoduto entre Sines e o Norte da Europa, que terá de atravessar Espanha e a França – projeto que conta com o apoio agora declarado dos Estados Unidos (um dos países produtores de gás natural) e das instituições da União Europeia. Aproveitando o porto de Sines e os investimentos previstos para o projeto de distribuição de hidrogénio para o resto da Europa, Portugal passará a assegurar o transhipping de gás natural liquefeito (LNG) dos grandes barcos oriundos de países produtores como EUA, Nigéria ou outros países produtores para barcos mais pequenos e de menor calado, que possam depois fazê-lo seguir para o Norte da Europa. Um dos problemas do abastecimento do Norte da Europa é a limitação do Mar do Norte a barcos de grande calado e a saturação da navegação. O que não se aplica a barcos de menor menor dimensão e calado.
Além disso, a proposta de Costa Silva passa também, numa segunda fase, pela aposta na ferrovia, com transporte do LNG em comboios noturnos, aproveitando a rede de velocidade alta espanhola com ligação à rede de TGV europeia através de França – faltando ligar Sines a Badajoz.
A prioridade da UE e dos EUA
Ainda esta sexta-feira, o primeiro-ministro deu o tiro de partida ao projeto português ao defender que é «mesmo prioritário» investir na transição energética, na produção própria de energia na Europa e na diversificação das rotas de abastecimento. E disse ainda que a Rússia «provou a todos aquilo que já dizíamos há muito tempo: não há autonomia estratégica da Europa se não houver segurança energética da Europa».
O chefe de Governo sublinhou ainda os esforços de Portugal na produção de energia a partir de fontes renováveis, mas reconheceu que nem todas as indústrias podem funcionar com base na mesma. Neste sentido, destacou a importância do aumento das interconexões entre a península ibérica e o resto do mercado europeu, e avançou que Portugal e Espanha podem suprir 30% das capacidades europeias de gás natural.
Ao fim de dois meses de invasão da Ucrânia pelas tropas de Vladimir Putin, e da insuficiência das sanções aplicadas pela comunidade internacional em persuadir o Kremlin a recuar, a construção de uma alternativa de abastecimento energético do Norte ao Nord Stream é prioritária para a Europa e para os EUA. Algo que ganhou maior relevância após a empresa suíça que detém o gasoduto Nord Stream 2 ter pedido falência e demitido os seus 106 funcionários. Uma decisão que surgiu depois da Alemanha ter decidido interromper o processo de certificação desta infraestrutura, que tinha como objetivo aumentar a distribuição do gás natural russo na Europa.
Este gasoduto foi construído para ligar a Rússia à Alemanha diretamente, através do mar Báltico, permitindo o crescimento exponencial do fornecimento de gás natural para a Europa e está concluído desde 2021. No entanto, a decisão da Alemanha travou a certificação da infraestrutura.
É certo que a ligação entre a Europa e a Rússia é muito complexa, como chegou a admitir Carla Fernandes, investigadora do IPRI-NOVA e perita em Energia e Segurança, ao Nascer do SOL. «Estamos a falar de um sistema que vai da produção ao transporte até ao consumidor final». E lembrou que «aumentar a importação de gás natural liquefeito é uma opção e é essa a estratégia da UE até ao final do ano. Mas é necessário termos capacidade de regaseificação», referindo-se ao processo de, após o transporte do gás natural liquefeito, normalmente por via de navios-tanque, lhe devolver forma gasosa, para ter uso comercial.
Embargo com custos pesados
O Bundesbank, o banco central da Alemanha, veio entretanto alertar que caso a União Europeia avance para um embargo às importações de gás da Rússia, essa medida poderá custar à maior economia da Zona Euro cerca de 180 mil milhões de euros em produção perdida este ano. Esta nota veio contemplada no boletim mensal do banco central alemão, conhecido esta sexta-feira, e aponta ainda que um embargo ao gás russo tiraria até 5% ao Produto Interno Bruto (PIB) alemão em 2022. O banco alerta que isso elevaria os preços da energia ainda mais e encaminharia a economia alemã para uma situação de recessão.
Em cima da mesa está a proposta da União Europeia de querer banir as importações de carvão da Rússia a partir de agosto, mas até agora tudo aponta para que as entregas de gás natural continuem. De acordo com dados do Eurostat, a União Europeia importou mais de 24% da energia da Rússia em 2020. A Rússia foi o principal fornecedor da União Europeia nesse ano, sendo mesmo o fornecedor-chave da Europa para fontes de energia como o gás natural, petróleo e carvão.
As importações de energia russa representavam cerca de 31% da energia usada pela Alemanha, sendo este o oitavo país mais exposto à energia com origem na Rússia. Mas, tendo em conta apenas o gás natural, a Alemanha tinha uma exposição de 58,9% ao gás russo, seguida de 35,2% no petróleo e de 21,5% no carvão.