A terceira sessão do ciclo de conversas sobre geologia com o professor Galopim de Carvalho promovido pelo Museu Nacional de História Natural e da Ciência, que o SOL tem estado a acompanhar, foi esta semana sobre as lagunas e lagoas de Portugal. A abrir, o aviso de que a exposição seria mais geográfica do que geológica. Para quem gosta de saber o que é o quê, serviu para as duas coisas, já que quando se vai apenas pelos nomes dos lugares a precisão não está garantida. Não faltarão exemplos, mas vamos já aos primeiros: as nossas rias, por exemplo a ria Formosa no Algarve ou a ria de Aveiro, são na realidade exemplos de lagunas, explicou Galopim de Carvalho. Ria é o nome popular, mas a confusão surge porque na geografia também foram cunhadas rias, só que não são estas. A ideia remonta ao século XIX, quando o geógrafo alemão Ferdinand von Richthofen descreveu as rias da Galiza, explicou Galopim de Carvalho. «Alguns de nós ficaram com a ideia de que as nossas rias seriam geologicamente semelhantes e não são».
Para perceber porquê é preciso ir aos conceitos. «Chamam-se lagunas, ou bacias parálicas, a corpos de água pouco profundos, junto ao litoral, parcialmente fechados ao mar por uma barreira». Em Portugal, são exemplos a ria de Aveiro, a ria de Faro-Olhão (ou ria Formosa), a ria de Alvor e a Barrinha de Esmoriz. Na Galiza, onde Ferdinand von Richthofen cunhou as rias, falava de outra coisa: rasgões fluviais antigos de linhas de água ocupados pelo mar. Ali, o que aconteceu foi que ao longo de milhares de anos, cursos de água abateram como se fossem teclas de piano, criando um desnível que o mar aproveitou. Nas ‘rias’ portuguesas, não foi o mar que galgou terra dentro, foi areia que se depositou na costa formando barreiras, mais ou menos abertas, que criaram enclaves onde as águas dos rios se encontram com águas do mar. «Em Portugal a barreira que fecha as lagunas é geralmente areia, mas há outras barreiras, por exemplo a grande barreira de corais na Austrália que fecha um conjunto imenso de lagunas», mostrou Galopim de Carvalho.
De onde apareceu então a ideia de ria? Era uma velha palavra portuguesa, anterior à definição de Richthofen, que significa esteiro ou grande rio. «São palavras que vêm da utilização popular e que a geografia e a geologia acabaram por trazer para o seu mundo, para o seu léxico. É muito interessante não perder esta ideia cultural e histórica dos nomes que fazem parte daquilo que nós estudamos».
Visitando à distância as lagunas portuguesas, há 5 mil anos, como pode ver-se na modelação em baixo, a zona onde é hoje a ria de Aveiro era um delta aberto ao mar e pensa-se que começou a fechar no século XVI, fruto do soprar do vento e ondulação que foi arrastando areia e formou a barreira. Uma sorte geológica que dinamizou a região, quer pela salina, que pela captura do moliço. «Hoje o turismo rende mais ao moliceiro e cansa menos», brincou o professor.
A Sul, é incontornável a ria Formosa. Recebe as águas dos rios Seco e Gilão e das ribeiras de São Lourenço, Marim, Mosqueiros, Almargem e Cacela e estende-se por 60 km desde a praia do Ancão, a Oeste, até à Praia da Manta Rota, a Este, estendendo-se pelos concelhos de Loulé, Faro, Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António. Ali, a barreira é formada por duas penínsulas (Ancão e Cacela) e cinco ilhas: Barreta, Culatra, Armona, Tavira e Cabanas. «Estas ilhas fecham sapais, que umas vezes estão cobertos de água, outras a descoberto, sendo que se chama sapal a áreas periodicamente alagadas por água salobras».
Outro elemento que pode levar na bagagem de férias para o Algarve este ano é que este é um dos sítios Ramsar no país, zonas húmida classificadas como local de importância ecológica internacional ao abrigo de uma convenção da UNESCO de 1971.
A Sul há ainda a ria de Alvor, outra laguna que recebe as águas de quatro ribeiras nascida da Sera de Mochique: Farelo, Torre, Odiáxere e Arão. Indo para Norte, chegamos à barrinha de Esmoriz ou Lagoa de Paramos que, do ponto de vista geológico, ainda é uma laguna. Recebe as águas dos rios Lambo e Buçaquinho – «rios de menor importância de que nunca ninguém falou mesmo nós que na escola estudávamos todos os afluentes» – e ainda da ribeira de Silvade.
O que também é uma laguna é a Lagoa de Óbidos, outro exemplo de como os nomes antigos ficaram: é uma laguna porque tem uma aberta ao mar, enquanto uma lagoa é um lago de pequenas dimensões, fechado, mesmo que possa ser aberto artificialmente.
Também temos desses, claro. A Lagoa de Albufeira tem uma curiosidade: antes de o Tejo desaguar no Mar da Palha, fruto de um sistema de falhas paralelas que rasgaram a crosta na direção que vingou, era para a ali que chegava, lembrou Galopim. Mas há um facto que ainda pode citar: há três lagoas na lagoa de Albufeira: a grande, a pequena e a Estacada. A grande tem uma profundidade superior a 15 metros e é a mais funda de Portugal. Sendo lagoa, está totalmente fechada ao mar, mas o cordão dunar é aberto regularmente na primavera. A lagoa de Melides esteve um dia ligada ao mar, terá sido até um porto pesqueiro no século XVIII, mas hoje está totalmente fechada e não é aberta. Caso diferente é a Lagoa de Santo André, que este ano também não será aberta, mas que costuma ser todos os anos. Na Figueira da Foz encontram-se as Lagoas de Quiaios mas a maior lagoa do país é a Pateira de Fermentelos, outro sítio Ramsar, localizada no triângulo dos concelhos de Águeda, Aveiro e Oliveira do Bairro.
O que continua a vestir o nome de lagoa mas na realidade já é uma barragem há 100 anos é a Lagoa Comprida, na Serra da Estrela. Foi projetada em 1910 e a construção começou em 1912, com o muro alteado ao longo do tempo. «Civilizámos a lagoa e hoje é um importante depósito de água». Antes, era um espécime único no país: uma lagoa natural glaciar, o que nos leva a recuar pelo menos 18 mil anos, ao fim da glaciação na Serra da Estrela. Foi formada quando os glaciares derreteram e a água ficou nos fundões que o próprio gelo tinha cavado.
Há outras formas de nascerem lagoas. As lagoas vulcânicas formam-se por exemplo em zonas onde abateram vulcões e que depois são enchidas pela água das chuvas – em Portugal podem ser visitadas sobretudo nos Açores e na Madeira (no continente houve vulcanismo entre Lisboa e Mafra mas há 70 milhões de anos, portanto eventuais crateras como as que deram lugar por exemplo às lagoas de S. Miguel já se foram há muito).
Mas no continente há outro tipo de lagoas pouco conhecidas. São os chamados poljes de Mira-Minde ou a Nave do Barão, em Loulé – a terminologia geológica ficou com o nome eslavo, que quer dizer campo. São lagoas que vêm e vão: nestas regiões, o maciço calcário funciona como uma esponja, explicou Galopim de Carvalho. A chuva infiltra-se mas quando é muita «brota do interior do chão pelos mesmos buracos por onde entrou, como uma esponja ensopada em que a água sai por cima».
Na hora das perguntas, uma foi direta: que pensa o professor das dragagens que se fazem nestes sistemas, por exemplo na Lagoa de Óbidos? Terão tendência a desaparecer? «Os processos de dragagem são sempre agressões à natureza. O mar e o rio vivem num certo equilíbrio, móvel, mas se o homem faz ali uma dragagem ou construção, a natureza acaba por se perturbar. Desequilibra e acaba sempre por ter consequências diferentes das que o homem quer», respondeu Galopim, admitindo que este é mais um raciocínio do que uma resposta concreta. O resto o tempo dirá.