Há momentos negros na História de todos os países. Portugal têm quatro: a perda da independência em 1578, as Invasões Napoleónicas entre 1807 e 1810, o 25 de Novembro de 1975 e o primeiro disco de Hip-Hop. Destes, ainda que à primeira vista não pareça, o pior de todos foi o 25 Novembro. Os outros, apesar de tudo, tiverem aspetos positivos. Os Filipes até nem governaram mal, os soldados franceses deixaram crianças de olhos azuis por todo o lado e o Hip-Hop demonstrou que a poesia também pode calçar tamancos. O 25 de Novembro, pelo contrário, só trouxe desgraças.
O 25 de Novembro representa a derrota do rumo ao Socialismo prometido pelo 25 de Abril e consagrado na Constituição. As forças da reação, comandados pelo fascista Jaime Neves, acabaram com o Processo Revolucionário em Curso que democraticamente estava a prender outros fascistas, a impedir que jornais fascistas enganassem o povo e a confiscar terras e contas bancárias aos fascistas ricos. Nesse dia, o sonho transformou-se num pesadelo e já não foi possível encher o Campo Pequeno de fascistas, burgueses e reacionários.
Impedida a purga, a doença alastrou.
Desde então, Portugal tornou-se capitalista, entrou na CEE e principiaram os horrores. As pessoas começaram a enriquecer à custa do seu trabalho, tornou-se possível a ascensão social, o filho do sapateiro tornou-se médico e a filha da peixeira abriu uma boutique, toda a gente começou a fazer férias, a ir ao Algarve, a jantar fora, a ter um carro e uma casa, a vestir-se segundo a moda e a deixar de usar sapatos grotescos, a tomar banho todos os dias, a usar perfumes, desodorizantes e papel higiénico caro, a depilar-se (algumas e alguns). Pior ainda, depois do 25 de Novembro passou a haver eleições livres e a imprensa deixou de estar controlada.
Ora como é que se pode rumar ao Socialismo quando as pessoas percebem que podem triunfar na vida sem a proteção do Estado e nas televisões e nos jornais existe liberdade de informação?
Em 1975, o PS esteve na linha da frente no 25 de Novembro trocando o seu punho esquerdo pelo direito para esmagar as forças progressistas. Os velhos dirigentes – decerto devido à educação salazarista recebida – celebraram a data durante décadas e até deram pinotes quando caiu o Muro de Berlim. Porém, os novos dirigentes – fruto da escola inclusiva e moderna – perceberam finalmente que o 25 de Novembro foi nocivo para o partido – e quanto ao Muro, nada de euforias.
E que os velhos dirigentes pudessem ter sido presos e até enviados para o Campo Pequeno para uma sessão de autocrítica seguida de rajadas de metralhadora, tal não preocupa os novos dirigentes pois não passa de uma hipótese.
Uma hipótese, claro está, inventada pela reação.
Sem o 25 de Novembro – com as devidas correções, como a ilegalização exclusiva da Direita e o uso habitual das praças de touros –, o PS nunca mais perderia uma eleição. Adeus Cavaco Silva, Durão Barroso e Passos Coelho. Sem o 25 de Novembro, o PS não teria de passar pela vergonha de alguns dos seus dirigentes serem associados ao escândalo da Casa Pia.
O lápis rosa riscaria a notícia. Sem o 25 de Novembro, o menino de ouro do Socialismo nunca faria o partido passar pela vergonha ainda maior de ver o seu líder na choça, nem os portugueses ficariam a pensar que ele não era o único responsável pelo que aconteceu. Sem o 25 de Novembro, a troika nunca entraria em Portugal ou, se tivesse mesmo que entrar, o escurinho, o careca e o outro entrariam pela porta do cavalo e o lápis rosa riscaria a notícia. Sem o 25 de Novembro jamais seríamos ultrapassados por quase todos os países de Leste. Porque nunca faríamos parte da União Europeia. E porque ocuparíamos um lugar fixo no ranking da riqueza capitalista: o último, orgulhosamente sós.
Sim, esta nova geração de dirigentes socialistas está a cumprir o sonho de Abril traído pelos velhos dirigentes e, obviamente, começa a ter horror ao 25 de Novembro. Não chega o líder da JS recusar-se a nomear o nome de antecessores reacionários como Seguro e, vade retro Satanás, Sousa Pinto. O verdadeiro rumo ao Socialismo exige uma limpeza de nomes, retratos e outras coisas. Porém, isso não é suficiente. Em Portugal, a questão que realmente importa à democracia é o 25 de Novembro. Como bem referiu, o antigo comentador de futebol e atual ministro da Cultura, Adão e Silva, não se deve celebrar o 25 de Novembro porque a data divide os portugueses.
É isso mesmo: de um lado estão os progressistas e do outro os fascistas. Estes querem lançar foguetes, aqueles gostariam de lhes espetar as canas.
Foram precisos mais de quarenta anos, o fim de uma geração de reacionários, sangue novo e vermelhusco, mas o PS reencontrou-se por fim com a História. E como tal, no próximo congresso socialista já estou a ver os camaradas a cantar: «De pé, ó vítimas da fome…». E para os que não sabem a letra, em tom molto vivace: «Lá,lá,.., lá, lá, lá, lá, lá…».