Com cerca de 200 casos confirmados a nível mundial da hepatite de origem desconhecida que tem estado a afetar sobretudo crianças pequenas, os peritos europeus estiveram ontem reunidos com o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, que esta quinta-feira deverá emitir orientações comuns para os estados membros, nomeadamente a definição de caso suspeito e que análises devem ser pedidos nos hospitais quando uma criança dá entrada com icterícia de causa indeterminada ou sintomas gastrointestinais. Ao i, Rui Tato Marinho, diretor do Programa Nacional para as Hepatites Virais da Direção Geral da Saúde, explica que foi feita uma apresentação da informação reunida até ao momento, nomeadamente do trabalho que está a ser desenvolvido no Reino Unido, o país que até aqui sinalizou mais casos – até 20 de abril, e após uma investigação retrospetiva dos últimos meses que passou a pente fino casos de hepatite aguda em crianças, foram identificados 111 casos não relacionados com os vírus da hepatite.
Uma amostra que para já fornece pistas clínicas aos médicos de todos os países. No relatório técnico publicado na segunda-feira pela Agência de Segurança de Saúde do Reino Unido, ontem discutido na reunião, pode ler-se que os casos detetados no Reino Unido foram predominantemente em crianças com menos de cinco anos. Começam habitualmente com sintomas típicos de gastroenterite, seguindo-se um quadro de icterícia. Neste documento são apresentadas as hipóteses de trabalho atualmente em cima da mesa, considerando os especialistas britânicos que a mais provável é a esta altura que as hepatites estejam a ser provocadas por adenovírus, cuja circulação parece ter aumentado nos últimos meses no Reino Unido nomeadamente entre crianças mais novas.
Dado que habitualmente este vírus não provoca inflamações do fígado nas crianças, consideram que o mais provável é que exista um fator que está a tornar estas infeções mais agressivas para as crianças. Aqui, colocam um conjunto de mais hipóteses: estarem mais suscetíveis devido a terem estado menos expostas a vírus durante a pandemia, ser um efeito raro por exemplo de uma infeção prévia com o SARS-Cov-2, incluindo da Omicron (ou de outra infeção) ou o resultado de uma coinfeção. Nem todas as crianças testaram positivo para o adenovírus, que não é testado por rotina, mas foi o vírus mais comum encontrado nas análises. Outra hipótese de trabalho é tratar-se de uma nova variante deste vírus, uma exposição ambiental, que não descartam por completo, um novo patogéneo ou uma nova variante do SARS-CoV-2, sendo estas hipóteses consideradas menos plausíveis.
Rui Tato Marinho admite que a hipótese de as crianças estarem mais vulneráveis devido a uma menor exposição durante a pandemia é plausível: “Mesmo as crianças mais pequenas não usando máscaras, estiveram mais tempo em casa, os adultos com que se relacionam usavam máscaras, tiveram menos saídas por exemplo para jantar fora”, elenca, admitindo que é possível que as medidas da pandemia possam ter alterado o equilíbrio ecológico com outros vírus com que a população contacta todos os anos. Numa altura em que há casos confirmados em vários países, com o Japão a confirmar o primeiro caso e o Canadá a investigar casos suspeitos, Rui Tato Marinho adianta que até ao momento não foram sinalizados casos em Portugal. Defendendo que é importante não causar alarmismo mas informar a população, sublinha que sendo a origem desconhecida mas havendo a hipótese de ser causada pelo adenovírus, as recomendações são as que existem para outros vírus presentes no trato intestinal ou respiratório, como é o caso deste: “São as medidas que conhecemos: lavar as mãos, manter uma boa higiene e manter a etiqueta respiratória ao tossir e espirrar. Não existe uma recomendação específica”, explica. Perante sintomas gastrointestinais que persistem como vómitos, diarreia, febre e sinais de icterícia, deve procurar-se o médico.
O adenovírus não é testado por rotina mas integra a monitorização de vírus respiratórios levada a cabo pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge no âmbito da vigilância da gripe, fazendo parte do grupo de “outros vírus” que costumam circular mais no inverno e que dão as viroses conhecidas dos pais, que já no verão passado começaram por aparecer fora de época. No último relatório semanal do INSA, publicado na semana passada, pode ler-se que esta época gripal, até dia 17 de abril, foi detetada laboratorialmente apenas uma infeção por adenovírus, não havendo até então indícios de uma circulação significativa deste vírus no país.
No Reino Unido, onde a circulação do adenovírus foi agora objeto de análise detalhada, entre novembro de 2021 e março de 2022 foram reportados 200 a 300 casos de infeção por adenovírus por semana, o que compara com 50 a 150 casos por semana no período pré-pandemia, lê-se no relatório divulgado esta semana. Com dados desagregados por faixa etária, a agência britânica avança que as infeções com este vírus em crianças entre 1 e 4 anos têm tido os números mais elevados dos últimos cinco anos, uma tendência que se verifica desde novembro, acima dos restantes grupos etários. A esta altura não é claro se existe uma tendência crescente ou decrescente quer de infeções quer dos casos de hepatite aguda, com o facto de se terem registado até ao momento 17 transplantes e uma morte a motivar apreensão. Ontem a comissária europeia da Saúde, Stella Kyriakides admitiu que a situação é preocupante, apelando aos estados-membros que partilhem informação para que Bruxelas possa monitorizar a situação de perto.