Há alguns mais iguais que outros

Aceita que a Rússia está a fazer uma intervenção especial num outro país.

Abespinha-se o PCP com aquilo que considera ser uma reação generalizada, ou uma campanha, ou uma condenação, ou uma imposição do pensamento único, ou uma tentativa de silenciamento.

Porquê? Perguntar-se-á.

Não quer confundir-se com a defesa da Ucrânia, ou o tomar partido por um dos lados, ou aceitar existir uma guerra, ou, muito menos, ter sido desencadeada uma invasão.

Não o escandaliza o facto do líder de um país poderoso declarar que um seu vizinho não tem razão de existir como independente.

Não protesta contra o bombardeamento de áreas civis, nem contra a destruição sistemática, nem contra o massacre, nem contra as violações, nem contra a tortura, nem contra as execuções sumárias, nem contra as valas comuns.

Simplifica. Diz que o diálogo e a negociação são os caminhos possíveis para a paz.

Admite que tem uma relação difícil com uma das partes por uma razão de princípio: ilegalizou partidos comunistas.

Admite uma diferente com a Rússia e apenas verbera a sua adesão ao capitalismo.

Nunca ouviu falar, nela, de supressão de liberdades, nem de controle dos meios de comunicação social, nem de envenenamento de opositores.

Aceita que a Rússia está a fazer uma intervenção especial num outro país.

Portanto, se os blindados nele entram, trata-se de uma infração de trânsito.

Se os aviões violam outro espaço aéreo, é um festival aeronáutico.

Se os os barcos ou os canhões bombardeiam o território alheio, não será uma expressão de força mas uma força de expressão.

A paz é possível sem guerra. Como? Se a Ucrânia não resistir, se se render, se se deixar ocupar.

Assim sendo, o PCP está na posição ideal para sugerir à Rússia, já que ela não invadiu, já que não há guerra, acabar com a intervenção especial.

Qual é o problema?

É um só.

O PCP vive numa realidade paralela e não vê o que todos os outros veem.

Não é o PCP que está com o passo trocado, são todos os outros integrantes do pelotão.

Quereremos nós a violência de não conceder o direito a ter uma opinião ao PCP?

Não.

É muito bom que insista em ter esta. Faz a diferença.

Nem, do ponto vista histórico, ela é assim tão extraordinária.

Nos bons velhos tempos de Brejnev, na URSS, a tese da soberania limitada permitia que os avoengos destes mesmos tanques invadissem a Hungria, a Checoslováquia e muito depois a Polónia.

O PCP, na ocasião, aprovou tais procedimentos.

É coerente, o PCP.

Talvez para relembrar a coincidência da proximidade, os russos exibem, hoje, as cores do exército vermelho e a bandeira da foice e do martelo, nos tanques e nas cidades ocupadas.

Francamente… Assim fica difícil o PCP mudar de posição.

É a força do hábito…

A vida do PCP tem sido muito espinhosa.

Lutou contra a ditadura. Lutou.

Mas tentou provocar a abstenção nas primeiras legislativas.

E promoveu o cerco da Constituinte para forçar um texto que lhe fosse simpático e mantivesse a relação de forças.

Perdeu. Foi desacompanhado.

O seu problema, agora, não é o isolamento. É estar reduzido a uma dimensão mínima.

É sentir-se cercado pelo tempo e procurar uma tábua de salvação num novo czar, produto do KGB, convertido às celebrações da Igreja Ortodoxa e às amizades endinheiradas.

Apesar de tudo, não há amor como o primeiro.

A mãe Rússia, a grande mãe Rússia.

A sua esperança é ser adotado.