Bruxelas alerta que qualquer país pode ter corte de gás russo

Bruxelas diz que  decisão da Gazprom “marca um ponto de viragem”, o que significa que “todos os Estados-membros têm de ter planos [de contingência] para uma rutura total”. Analista lembra que a “economia russa continua fragilizada”.

Os ministros de Energia da União Europeia discutiram uma resposta ao corte do fornecimento de gás russo à Polónia e Bulgária, além de alternativas para reduzir a dependência da Rússia. Se houve soluções, não se sabe ao certo, mas a ministra francesa para a Transição Ecológica, Barbara Pompili, garantiu que a posição foi unânime: “Estamos todos de acordo que continuaremos a pagar em euros e não permitiremos que os contratos sejam alterados unilateralmente”, disse. Em causa, está o facto de o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, ter avisado que vai pagar pelo gás natural russo em rublos se Moscovo o exigir.

No mesmo dia, a Comissão Europeia alertou que “qualquer Estado-membro” da UE pode seguir-se à Bulgária e à Polónia no corte de gás pela Gazprom e pediu planos de contingência: “A decisão da Gazprom, de suspender o fornecimento de gás à Polónia e à Bulgária, marca um ponto de viragem na atual crise e é uma violação injustificada dos contratos existentes e um aviso de que qualquer Estado-membro pode ser o próximo”, disse a comissária europeia da Energia, Kadri Simson, acrescentando que a energética russa “demonstrou que não é um fornecedor de confiança e isso significa que todos os Estados-membros têm de ter planos para uma rutura total”.

A responsável garantiu que os países da UE já se estão a preparar, aumentando os níveis de armazenamento de gás. “A nossa prioridade deve agora ser a preparação para qualquer perturbação dos fluxos”.

Depois da reunião, o ministro do Ambiente português, Duarte Cordeiro, disse que os países europeus querem reagir às últimas sanções russas reforçando a cooperação. O ministro adiantou que, em discussão, estiveram “alternativas de fornecimento de gás” e “medidas conjuntas de compras de gás”, para preços mais acessíveis. E acrescentou existir “uma enorme expectativa em relação à plataforma de compras conjuntas a nível europeu”.

Se o embargo aos produtos energéticos russos realmente avançar, Henrique Tomé, analista da XTB, não tem dúvidas de que “a Europa precisa de um plano para conseguir mitigar os riscos inerentes a esta decisão”, diz ao i, acrescentando que “embora continue a ser um tema sensível, a utilização de energia nuclear como uma fonte alternativa de energia continua a ser uma possibilidade e no caso europeu, seria até uma das melhores alternativas a tomar”.

O analista admite no entanto a expectativa por detalhes mais concretos sobre como é que a Europa irá proceder com a transição energética em curso e “quais deverão os players estratégicos para ajudar a Europa a libertar-se totalmente dos produtos energéticos russos”.

Já se os Estados-membros podem vir a aceitar as sugestões de Zelensky, o analista diz que esta é uma possibilidade. Isto porque “as relações comerciais entre a Europa e os EUA estão a aumentar e os líderes das grandes economias europeias também têm estado em negociações com outros países produtores de petróleo como a Arábia Saudita a fim de estabelecerem novos acordos comerciais em torno do fornecimento de petróleo”.

A UE está preocupada que a sua dependência dos combustíveis fósseis russos esteja inadvertidamente a ajudar o Kremlin a financiar a invasão na Ucrânia.

Aliás, no ano passado, a Agência Internacional de Energia estimou que as receitas de petróleo e gás representavam 45% do orçamento da Rússia. Henrique Tomé, lembra ao i que a Europa “não tem uma relação comercial forte com a Rússia, pouco mais de 4-5% do comercio externo europeu é que é destinado para a Rússia”. Mas, por outro lado, “no caso russo, mais de 40% do comércio externo já depende da Europa”. E acrescenta que “a economia russa continua fragilizada e, a cada dia que passa, a situação vai-se agravando ainda mais”.

“Portugal sai prejudicado sobretudo pelo aumento dos preços das matérias-primas e, possivelmente, pela mudança na retórica do BCE na condução das políticas monetárias, mas em termos de consequências diretas por parte da Rússia, essas são muito reduzidas”, admite.

 

A decisão alemã

Antes da reunião, o ministro alemão da Economia e da Energia tinha dito que o país poderá deixar de importar petróleo russo até ao final do verão, isto depois de o chanceler alemão ter admitido que o país se está preparar para deixar depender do gás russo.

Henrique Tomé lembra que a Alemanha “investiu muito nas infraestruturas para o transporte de gás russo para a Europa”. Para o especialista, “a decisão da Alemanha vai marcar o fim da dependência de gás russo na Alemanha e poderá traduzir-se num dos maiores golpes para a Rússia, dado que o país não tem forma de distribuir o gás natural europeu para outras economias devido aos problemas relacionados com as infraestruturas. A curto prazo, este será um grande problema para a Rússia e deverá ter um forte impacto económico no país”.

Sobe e desce das exportações A verdade é que, apesar das sanções, as exportações de petróleo bruto da Rússia cresceram 17% em abril. As contas são da Bloomberg, com base em dados russos. Houve um aumento nos fluxos nos principais oleodutos e portos, tendo a única quebra sido registada no oleoduto Druzhba, que liga a Rússia à Alemanha. Já para a China, as exportações pelo canal ESPO cresceram 7,8%.

Os números dizem também que a produção de petróleo da Rússia caiu para uma média de 10,05 milhões de barris/dia, uma queda de 8,7% em relação a março. É o nível mais baixo desde novembro de 2020. Recorde-se que a Rússia é responsável por cerca de 10% da produção global de petróleo e já conta com restrições dos EUA e Canadá, que proibiram importações.

Henrique Tomé diz que “as atuais sanções impostas pelo Ocidente estão a deixar a Rússia com poucas alternativas para escoar os seus produtos”. Assim, acrescenta “muitos países estão a usufruir dos preços mais baixos (com desconto em relação aos preços praticados no mercado) a que o petróleo russo está a ser comercializado, aproveitando assim para ser armazenado e utilizado”.