O juiz Rui Fonseca e Castro, expulso da magistratura, desde o passado mês de outubro, por se opor aos sucessivos estados de emergência, confinamentos e regras impostas no âmbito da pandemia, foi hoje ouvido em audiência pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) no âmbito de um novo processo disciplinar. Em causa está o facto de ter insinuado, variadas vezes, que o então presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, abusa sexualmente de crianças.
“A decisão relativa ao primeiro processo disciplinar ainda não transitou em julgado. Nesse sentido, no processo em questão podem ser aplicadas as sanções previstas no Estatuto dos Magistrados Judiciais”, esclareceu o CSM em declarações à agência Lusa, sendo que este processo diz respeito a um vídeo veiculado no seu canal do Youtube, e posteriormente divulgado na página Habeas Corpus, no Facebook, no qual insultava Ferro Rodrigues.
Incentivando o dirigente ao suicídio e sugerindo que o mesmo abusa sexualmente de menores, Fonseca e Castro viu o vídeo, pelas 18h de 29 de julho, ser eliminado daquela plataforma, tendo surgido a mensagem “este vídeo foi removido por violar a política do YouTube relativa a assédio e bullying”, pois a equipa da plataforma deixa claro, online, que "não é permitido publicar no YouTube conteúdo que ameace pessoas (…) que persiga um indivíduo com insultos contínuos ou maliciosos com base em características intrínsecas". Deste modo, apela a que os utilizadores façam uma denúncia quando se deparam com conteúdos que violam as políticas do YouTube.
“Diz o senhor Ferro Rodrigues que os portugueses que resistem à injecção da morte devem mudar de atitude. Pois bem, o Senhor Ferro Rodrigues é um pedófilo. O senhor Ferro Rodrigues é um abusador sexual de crianças. Preferencialmente, crianças institucionalizadas, que merecem a protecção do estado, mas entregues à oligarquia nepotista e cleptocrática que dirige este país, tal como o senhor Ferro Rodrigues“, começou por acusar o magistrado, à época. À sua vez, no dia seguinte, Ferro Rodrigues informou o CSM de um “vídeo atentatório da sua honra”.
“O senhor Ferro Rodrigues deveria mudar de atitude, tirando a sua própria vida. Se lhe resta algum pingo de vergonha, o senhor Ferro Rodrigues deveria tirar a sua própria vida. O senhor Ferro Rodrigues deveria mudar de atitude”, perguntou Fonseca e Castro, tendo obtido quase 800 reações na rede social no espaço de poucas horas. No entanto, naquela altura, o gabinete do presidente do parlamento elucidou de imediato que o visado levara “ao conhecimento do Conselho Superior de Magistratura, através do seu Presidente e Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, para os devidos efeitos, o vídeo atentatório da sua honra que o Juiz Rui Fonseca e Castro publicou no seu canal no Youtube, salientando a gravidade das declarações contidas no referido vídeo, que, além do mais, se afigura constituírem um crime público”.
Apesar da abertura de um inquérito, pelo Ministério Público, vários apoiantes do juiz Rui Fonseca e Castro reuniram-se, no dia 11 de setembro, sob o mote “Pelas nossas crianças – Rumo à Liberdade”, cercando o restaurante junto à Assembleia da República onde Ferro Rodrigues almoçava com a mulher. "Pedófilo", “assassino”; “ordinário”; “não toca na Constituição”; “ditadura, não, liberdade, sim” foram algumas das palavras e frases mais usadas por quem segue o magistrado que esteve de licença sem vencimento durante dez anos e, em primeira instância, foi acusado de incentivar os cidadãos a fazer queixa das forças de segurança através da publicação de um caderno de minutas, por meio da página Juristas Pela Verdade, em março, que visava conferir a todos quantos vivem as "graves restrições ao exercício de direitos, liberdades e garantias (…) a possibilidade de fazerem valer" os mesmos "com ou sem recurso a serviços advocatícios".
Já no verão, o Nascer do SOL e o i haviam explicitado que o magistrado terá proferido estas declarações porque o nome do antigo líder do Partido Socialista esteve implicado no Processo Casa Pia. A título de exemplo, em maio de 2003, o semanário Expresso indicou que quatro crianças alegavam ter visto Ferro Rodrigues em locais onde os abusos sexuais tinham lugar. No entanto, o jornal explicou que não havia evidências de que o político estivesse envolvido pessoalmente no caso. O político apresentou queixa em tribunal por difamação contra duas das testemunhas que o implicaram e, consequentemente, o tribunal e instâncias superiores a quem foi pedido recurso não pronunciaram as duas testemunhas por "por falta de provas" e porque "não estavam preenchidos os elementos do tipo de crime que fundamenta a queixa [de difamação]". A seu lado, em julho de 2006, o jornal Público noticiava que Paulo Pedroso e Ferro Rodrigues estavam referenciados pelas autoridades.