Há tempos bebia uma cerveja com o meu então professor de Filosofia e perguntava-lhe quais filósofos vivos ficariam para a história da Humanidade. Ele, brilhante marxista, lá me gizou um ou dois nomes franceses que a boa memória não me permite nomear. Os meus amigos mais católicos dizem-me que daqui a centenas de anos Ratzinger será lido com a mesma reverência com que hoje se lê Santo Agostinho. Será?
Quem, entre nós, os vivos, moldará a Humanidade?
Demorei algum tempo a reconhecer que piso o mesmo chão de Jesus ou Platão. Apesar de superiores, somos feitos da mesma matéria: tenho olhos e pernas; como e bebo; ressono e constipo-me. Será que os contemporâneos de Jesus ou Platão sabiam que eram contemporâneos de Jesus ou Platão? O meu bisavô nasceu dez dias antes de Wittgenstein e cinco meses antes de Heidegger (#1889MelhorColheita). Será que, enquanto vivo, sabia que respirava do ar, bebia da água, partilhava chão, com dois dos maiores da nossa raça? Estaria ele a par da grandeza dos seus pares?
Duvido: para ser-se endeusado é preciso ser-se intangível, e para ser-se intangível é preciso estar-se morto. Antes da funesta condição, todavia, vão-se tocando algumas notas de grandeza ainda em vida.
E, por isso, repete-se a pergunta: quem, entre nós, os vivos, moldará a Humanidade?
E responde-se: Elon Musk, entre nós, os vivos, moldará a Humanidade.
Musk é o messias da pós-modernidade. Tal como Jesus, Musk traz uma redenção: a de liberdade total. Onde? No principal fórum de discussão mundial. Antes, os gregos discutiam na redoma possível à época – limitada por geografia, classe e sexo. Hoje, havendo estilhaçado a redoma com emancipações e a criação da Internet, a Humanidade discute num fórum virtual que vai de Atenas a Kuala Lumpur. O Twitter é, hoje, por excelência, o lugar onde a Humanidade se debate.
Nós, homens com cabelo multicolor, mulheres com chapéus da MAGA, ou simples sujeitos indefiníveis, somos os gregos que outrora vestiam branco. E Musk, amante da liberdade ortodoxa, quer que nos sentemos no seu fórum e discutamos sem purpurinas, apenas balizados pela lei.
Quem tem medo do poder popular? Ideias combatem-se com ideias. Capitalismo não é necessariamente bom ou Comunismo necessariamente mau. A democracia talvez possa existir sem partidos. O céu pode não ser azul em todo o mundo. Discuta-se, rompa-se, expurguem-se inquietações: tudo isto é Humanidade; e tudo isto estava limitado por uma moralidade intelectualmente castrante. Musk devolve o órgão reprodutor ao Twitter e, por isso, devolve-o à Humanidade.
Elon Musk, entre nós, os vivos, moldará a Humanidade.
Musk tem a inquietação necessária ao génio. Do enfant terrible. Do humano: com maldade, sentido de humor, ácido pelas veias. Por conhecer a sua condição – humana, errante, esquinada –, Musk quer projetá-la no Twitter: humanizando-o. Por entender que o mundo não é feito de almofadas, por sabê-lo com arestas, Musk quer levá-las ao Twitter: afiando-o. Por saber de uma moralidade reinante, e por sabê-la institucionalizada apesar de filha de uma minoria barulhenta, Musk impede que o Twitter contribua para um monopólio da moral: libertando-os. E é por tornar o Fórum Mundial num espaço mais nu e cru que contribui para a nossa condição, também ela nua e crua. Ao emancipar o Twitter da sua infantilidade intelectual, Musk está a emancipar a Humanidade da sua infantilidade intelectual: e, por isso, devemos estar-lhe agradecidos. E é por tudo isto, sem expandir para os seus muitos outros feitos, que acredito que Elon Musk, entre nós, os vivos, moldou a Humanidade
Aqui chegados, olha-se para dentro e pergunta-se: será que quando Elon Musk era vivo, os seus contemporâneos sabiam que eram contemporâneos de Elon Musk?
Lisboa, 27 de abril de 2022